De acordo com o Ministério Público Federal, os povos indígenas que vivem na região sofreram massacres e violências

Porto Velho, RO - O Ministério Público Federal (MPF) pediu com urgência à Justiça, a suspensão do processo de concessão florestal na região da Floresta Nacional (Flona) do Amana, no sudoeste do Pará. O procedimento foi conduzido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

De acordo com MPF, a área é registrada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e possui presença de povos indígenas em isolamento voluntário, que, na maioria das vezes, sofreram massacres e violências. Com informações do MPF.

Ainda segundo o Ministério, a licitação para exploração madeireira na região da Floresta Nacional (Flona) do Amana pode “submeter grupo de indígenas em isolamento a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial, o que pode configurar genocídio”.

O SFB teria sido notificado pela Funai da existência de registro de grupo isolado na região. No entanto, o MPF aponta que houve omissão por parte do Serviço durante o processo licitatório das unidades de manejo florestal 1, 2 e 3 da Flona do Amana, entre os municípios de Jacareacanga e Itaituba, no sudoeste do Pará e de Maués, no sudeste do Amazonas.

Assim como a suspensão urgente do leilão, o MPF pediu que a União seja proibida de fazer qualquer nova concessão na área que possa impactar povos em processo de identificação e localização, “em observância ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que considera originário o direito indígena sobre os territórios que ocupam tradicionalmente”.

Omissão de informações pelo Serviço Florestal Brasileiro

A região que o SFB pretende abrir para exploração madeireira totaliza 229,3 mil hectares e no edital que abriu para o público não fez nenhuma menção à possibilidade de existência de grupos indígenas não contatados na região.

O documento chega a mencionar que foram encontrados artefatos indígenas, mas afirma serem possivelmente datados de período pré-colonial, descartando indícios da presença atual desses indígenas.

Na investigação do MPF foi constatado que a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai informou ao SFB o registro da presença de grupo indígena isolado em fase de estudos.

A referência aos isolados também aparece em outros documentos públicos produzidos por organizações da sociedade civil. De acordo com os documentos, que supostamente o SFB teria conhecimento, existem registros de isolados na região desde 1989.

“As informações constantes no procedimento revelam que o Serviço Florestal Brasileiro desde julho de 2020 obteve dados oficiais sobre a incidência do registro de indígenas isolados na Flona do Amana”, assinala a ação do MPF.

Além dos dados oficiais fornecidos pela Funai, o SFB também teve acesso às informações em reunião dos conselhos das Flonas do Amana e do Crepori, em que representantes do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Funai reforçaram a existência dos registros de isolados.

Obrigação delegada

Porém, no edital de concessão florestal, o SFB delegou aos concessionários da exploração madeireira, onde concorrem duas empresas. O Ministério afirma que existe o dever de informar “a descoberta de quaisquer elementos de interesse arqueológico ou pré-histórico, histórico, artístico ou humanístico”, de acordo com a ação judicial do MPF.

“Percebe-se que o SFB tenta emplacar um argumento insustentável de que, em razão da preexistência de atividades humanas (garimpos e desmatamentos), possivelmente ilegais, no local de registros de indígenas isolados, não haveria maior necessidade do Estado, por meio de concessões florestais, proceder com cautela no interior da UC [Unidade de Conservação], objetivando garantir a proteção efetiva do povo ou grupo de indígenas isolados que ali vivem”, assinala o MPF.

“Tal cenário de interferências clandestinas evidencia, em verdade, a elevação do quadro de vulnerabilidade de indígenas isolados dos quais se tem registros em estudos avançados, demandando urgente cautela estatal em se abster de contribuir para impactos sinérgicos, decorrentes de atividades degradantes/exploratórias, que ameaçam a sobrevivência de povo ou grupo de indígenas isolados na Flona do Amana”, alerta a ação judicial.

Avistamentos por mais de 40 anos

O MPF lembra que os relatos de avistamentos de indígenas isolados remontam pelo menos à década de 1980 e provêm de fontes diversas, desde o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), passando por indígenas Munduruku e Sateré, ribeirinhos das margens do rio Urupadi, até o Sindicato dos Garimpeiros do Município de Maués. Na última expedição feita pela Funai para localização dos isolados, em 2013, foram coletados indícios concretos como pegadas, trilhas e restos de acampamento.

“Uma vez que, no atual sistema de classificação adotado pela Funai, utilizado pela CGIIRC, os registros ‘em estudo’, que significa um status em que se encontra o registro de grupo isolado na Flona do Amana, dizem respeito a um conjunto de dados ou relatos qualificados sobre a presença de grupo isolado, demonstrando fortes evidências da sua existência, e havendo insistência da União em prosseguir com as concessões florestais na área de tal registro, torna-se premente a adoção de medidas de urgência, no âmbito judicial, para suspender o processo licitatório do SFB”, pede a ação do MPF.

Para o MPF, é evidente a má-fé da União, através do SFB, “ao publicar edital de concessão florestal a despeito da ciência, por parte da administração, de que existem indígenas isolados na área de influência das concessões”.

“Essa omissão ilegal e inconstitucional por parte da União subverte a ordem das ações administrativas a cargo do Estado, na medida em que, havendo estudos sobre indígenas em isolamento, revela-se dever prioritário do Poder Público a conclusão de tais estudos bem como providências como a interdição da área”, diz a ação judicial.

Fonte: Diário da Amazônia