Não tenho do que me envergonhar, só agradecer; viver em sobriedade é o maior barato de todos os tempos

Porto Velho, RO -
Faz exatos quatro anos que não coloco nem um gole de álcool na boca. Justo eu, uma menina que desde os 13 anos encontrou no álcool sua fuga deste mundo.

Alcoolizada, tudo ficava mais fácil, mais relaxante e mais possível. Quatro anos e nada de brindar, de tomar uma cervejinha num dia de calor ou um vinho em um agradável dia de domingo. Bem, mas essa última frase é de uma mentira que só uma bêbada poderia dizer.

Usar a bebida no diminutivo e associá-la apenas aos finais de semana é uma frase para ficar bonita no papel, mas muito longe da minha realidade. Eu sou daquelas pessoas que sempre acreditaram ser uma grande perda de tempo sair para tomar um suco; ficava com ódio de quem não me acompanhasse na bebida alcoólica. Afinal, "quem faz amigos bebendo leite?", e quem consegue dançar sem ter um leve grau de loucura?

Quatro anos e muita sala de alcoólicos anônimos. Mas seria para tanto? Uma mulher tão inteligente, tão bonita, tão interessante, tão culta! Pois sim. Quatro anos desmistificando dentro das salas de AA todas estas frases que não funcionam para mim, nem para qualquer alcoólatra.

Engana-se e muito quem acredita que existe um estereótipo para quem frequenta uma sala de AA. Que são pessoas muito destruídas, amargas e que não têm onde cair mortas. Bem, a verdade é que eu não tinha onde levantar viva há muito tempo. Foram mais de 20 anos perdendo toda e qualquer vontade de viver, sendo consumida por todo álcool que eu ingeria e que destruía meus sonhos, meus pensamentos e minha vontade de viver.

Vale dizer que não cheguei a uma sala de AA por livre e espontânea vontade. Eu tive que perder amigos, relacionamentos, trabalhos e uma palavrinha que foi o começo do fim: a dignidade. Mas, mesmo assim, só trancada em uma clínica de desintoxicação (pela sexta vez!) que finalmente me rendi a tentar uma vida sem o álcool com o programa de AA.

Isso porque tentei muitas vezes moderar, diminuir o ritmo, alternar bebidas alcoólicas com água, forrar o estômago, colocar azeite na boca antes de começar a beber, entre taaantas outras fórmulas mágicas que só serviam para iludir minha doença. Cinco anos e pouco para ir entendendo, dia a dia, que alcoolismo é uma doença tão grave e fatal quanto qualquer outra. Leva à morte prematura, à loucura.

"Bom, mas que papo chaaato". Chato, mas que fez da minha vida um ambiente legal, matutino, divertido. E eu sei que você que ainda bebe vai duvidar desta minha frase porque eu mesma, há pouco mais de cinco anos, acharia o mesmo. É como se eu estivesse escrevendo para aquela garota incrédula, raivosa e debochada de papo sem álcool.

Mas o fato é que minha vida só se tornou vida depois de uma sala de AA. Lá encontro, quase que diariamente, amigos que entendem o que falo. Normalmente, em uma reunião de uma hora e meia, eu falo cinco minutos e escuto o restante. A prática da escuta e a força do grupo me fizeram mais forte, me tornaram tão incrível que hoje eu sou a pessoa que toma suco, que dança (um pouco) com o ritmo da música e que não precisa de nada para dar um brilho extra.

Não preciso e não posso. Nada contra quem faz uso da bebida. Quem não pode sou eu, sabe por quê? Porque eu não bebia um copo, um gole, ou experimentava algo. Posso dizer algo que se fala em sala de AA: um copo para mim é muito, e um galão é pouco. A minha doença é complexa. Destruí momentos e ambientes que me traziam amor e sanidade. Por maldade? Não. Hoje entendo que é porque estava no auge de minha doença.

Faz quatro anos e pouco que me perdoo, todos os dias quando acordo, para poder encarar a vida de uma forma mais leve. E tem funcionado. Ouço e vejo muitas pessoas que têm problemas com a bebida, que transformam ambientes de festa em palanques de guerra, igualzinho eu fazia.

Está em todo lugar, dos empresários mais bem-sucedidos aos moradores de rua. São pessoas que perderam a habilidade de controlar a forma de beber. Porque não são capazes. São doentes. Como eu sou… mas estou em recuperação, mudei minha vida.

Não vou tanto a festas, ou se vou, fico pouco. Não tenho mais ressacas mortais, não tenho mais medo do que posso ter feito no dia anterior. Quando cheguei ao AA, estava morta por dentro e por fora, mas tinha em algum lugar uma parte que ainda dava para reverter. E foi neste galho verde que os meus companheiros de sala me mostraram que seria possível me recuperar, devolver a sanidade.

Sou uma alcoólatra em recuperação e não tenho do que me envergonhar, só a agradecer por finalmente ter trocado de hábitos, de vida e lutado todos os dias contra a minha vontade. Viver em sobriedade é o maior barato de todos os tempos. Eu poderia dar este conselho a mim mesma lá atrás, mas percebi, infelizmente, que sou tão teimosa que tive que chegar a um lugar muito triste e solitário para finalmente começar a viver.

Ei, acredite, viver sem o álcool (para quem perdeu o controle) é a melhor e única forma possível de se viver. Te conto mais, muito mais. E procure ajuda, não espere a lama afundar de vez. É de fato muito melhor ser uma alcoólatra anônima do que um bêbado conhecido. Pense nisso.

Fonte: Folha de São Paulo