Diretorias foram criadas e mulheres passaram a ocupar áreas importantes no órgão

Porto Velho, RO -
Levada a um dos momentos mais turbulentos de sua história pelas mãos de Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Federal completou seus primeiros meses de novo governo com mudanças de chefias, reestruturação interna e sob tensão política.

A nova direção sob Lula (PT) vetou nomeações e cancelou indicações da gestão anterior, com a justificativa de recuperação da PF das mãos do bolsonarismo e também do lava-jatismo.

Embora o discurso político seja utilizado para justificar vetos a desafetos de integrantes da nova cúpula, outros dirigentes da época de Bolsonaro ou que atuaram durante a Operação Lava Jato foram mantidos ou promovidos.

Sob comando agora do delegado Andrei Rodrigues, a polícia também deu sinais nesses primeiros meses de que vai atuar de forma mais alinhada com políticas do governo e terá maior proximidade pública com o presidente da República —e também com Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

No governo Bolsonaro, por exemplo, as investigações sobre atos antidemocráticos e fake news relatadas pelo ministro do STF ficavam com apenas um delegado, com uma equipe reduzida, sendo diversas vezes alvo de questionamentos das diversas direções que passaram. Agora, a estrutura foi reforçada.

Como consequência dessa diretriz, os poucos mais de 100 dias de PF foram marcados ainda por investigações intensas contra os vândalos dos ataques aos edifícios dos três Poderes no 8 de janeiro com buscas e prisões efetuadas pelo país. A defesa da democracia tem sido parte de quase todos os discursos do novo diretor-geral.

Outro ponto que indica a maior afinidade com o discurso do governo é a ampliação do combate a crimes ambientais e da atuação em proteção dos povos originários e seus territórios. A nova direção criou uma diretoria específica para Amazônia e já nos primeiros dias de governo Lula deflagrou uma operação contra garimpeiros ilegais na terra yanomami.

Além dessa nova estrutura, a PF criou uma diretoria de Crimes Cibernéticos e uma de Ensino, comandada por uma mulher, e com proposta de ampliar a participação feminina entre os delegados, peritos, agentes e servidores administrativos, além da inclusão do debate sobre gênero, raça e orientação sexual na formação dos novos policiais.

Sobre a participação de mulheres, das 27 superintendências regionais, 9 passaram a ser comandadas por delegadas. Há também 2 diretoras, dos 13 postos da cúpula.

A PF sob Lula também tem como meta uma reestruturação na formação de novos policiais, tirando da grade atividades consideradas mais "militarizadas" e dar espaço para direitos humanos.

Em um comunicado interno com balanço dos 100 dias, o diretor-geral listou algumas das ações no período, destacou a criação das diretorias, o maior espaço a mulheres e escreveu que "a corporação enfrenta desafios proporcionais ao tamanho, relevância e respeito que tem conquistado junto à sociedade em suas quase oito décadas de atuação".

"Não restem dúvidas de que a PF seguirá cada vez mais vigorosa para enfrentar os tempos que estão pela frente", afirmou Andrei Rodrigues no texto.

Em meio a reestruturação, mudanças de cargos de comando e vetos a nomeações de delegados foram registradas. Foram pelo menos quatro casos envolvendo tentativas de nomeações já na atual gestão, além de cancelamento de indicações que tinham sido feitas pelo comando anterior.

Houve também o caso do delegado que está no México e que a atual gestão tentou tirá-lo antecipadamente do cargo que ocupa no país (leia alguns dos casos ao final da reportagem).

Os poucos meses de governo Michel Temer e os quatro anos de Bolsonaro geraram uma fragilização inédita na PF, com trocas constantes, suspeitas de interferência por parte dos governos.

Ainda assim, o órgão teve como costume em boa parte das vezes preservar os servidores das brigas ou questões externas. Na prática anterior, o comum era manter nomeações e dar tratamento diferenciado aos que ocuparam cargos de maior responsabilidade da gestão do antecessor.

O padrão começa a ser quebrado na gestão do diretor-geral Paulo Maiurino. Ele tirou do cargo delegados que ele considerava contrários à sua gestão, impediu desafetos de ocupar postos e ainda contou com vetos do próprio presidente Bolsonaro, como o de um dos símbolos da Lava Jato.

A PF afirma em nota enviada à Folha que não se manifesta sobre atos de pessoal de forma individualizada.

Diz também que a distribuição do efetivo é "conduzida com observância da lei e dos critérios da racionalidade e efetividade que orientam a administração pública, sendo ato discricionário da administração".

A direção ainda afirma que são "naturais as movimentações de tempos em tempos, em trocas de gestão" e que a PF reafirma seu "caráter de órgão de Estado, desempenhando suas atribuições com base nos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

CASOS CONTROVERSOS NA ATUAL GESTÃO

  • Delegada Tânia Fogaça: foi convidada e depois desconvidada para ser corregedora na superintendência de São Paulo, como revelou o Painel. A Folha apurou que sua ligação com inquéritos contra dissidentes da Lava Jato e sua participação no governo Bolsonaro contaram para o veto. Ela foi nomeada assessora na direção da PF em São Paulo. Procurada, disse que não comentaria e que está bem alocada na superintendência paulista.
  • Delegado Sérgio Busato: foi escolhido para uma chefia no Rio Grande do Sul, mas sua nomeação foi anulada dias depois. Segundo apuração da reportagem, a justificativa foi de que seu nome não era bem aceito por aliados de Lula —Busato era o número dois no Paraná durante o período que o ex-presidente ficou preso. O delegado não respondeu aos contatos.
  • Delegado Rodrigo Bartolamei: o delegado foi superintendente de SP no governo Bolsonaro. Foi aprovado para o posto de vice-diretor da ONU nos EUA, mas a direção decidiu negar sua ida. De acordo com apuração da reportagem, a justificativa nos bastidores seria sua suposta vinculação com general Heleno, ministro do governo Bolsonaro. O delegado não quis se manifestar.
  • Delegado Alessandro Moretti: o delegado era diretor de Inteligência, estava indicado para ser adido na França, mas o ato foi cancelado. A cúpula da PF trava nos bastidores uma batalha com o Palácio do Planalto para tentar derrubá-lo do cargo de número dois da Abin. O diretor-geral da PF tratou do assunto pessoalmente com Lula. A sabatina do diretor-geral da agência ocorreu em comissão do Senado nesta quinta-feira (4), praticamente dois meses após a indicação pelo Executivo —aprovada no colegiado, ela deve ir a plenário nesta terça (9). Procurado, o delegado não quis se manifestar.
  • Delegado Elvis Secco: o delegado está como adido no México e a atual cúpula da PF tentou por duas vezes trazê-lo de volta ao Brasil. O caso foi revelado pela CNN. Ele aparece em listas de autoridades juradas de morte pelo PCC. O policial chegou a escrever para a cúpula da PF de que a decisão de trazê-lo de volta ao país resultaria em sua morte. Após dar 40 dias para o retorno, a cúpula da PF recuou e o caso está parado. O delegado não quis se manifestar.

Fonte: Folha de São Paulo