Lenilda foi encontrada morta no deserto, enquanto tentava atravessar a fronteira. A outra vítima sobreviveu, mas passou por momentos de terror. Nesta segunda, a PF desarticulou um grupo suspeito de enviar pessoas ilegalmente para os EUA

Porto Velho, RO - Uma abandonada pelos amigos de infância e outra roubada e violentada por "coiotes": as histórias de duas rondonienses que tentaram atravessar a fronteira dos EUA com o México voltou a ganhar repercussão nesta segunda-feira (13), quando a PF desmanchou uma organização criminosa suspeita de enviar, ilegalmente, mais de 400 pessoas para o exterior.

Uma empresa de Buritis (RO) exercia o papel de emitir os passaportes, comprar as passagens e dar auxílio nos voos dos migrantes ilegais com destino ao México para que eles atravessassem a fronteira a pé, com apoio de "coiotes".

A PF calcula, até o momento, que a organização criminosa fez mais de 400 vítimas e arrecadou mais de R$ 16,5 milhões. Lenilda dos Santos Souza e outra rondoniense que foi abandonada na travessia são algumas das vítimas de esquemas de coiotes em Rondônia.

Lenilda morreu após ser abandonada por amigos de infância


Lenilda dos Santos morreu quatro meses antes de realizar o sonho de ser avó de uma menina. — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Lenilda saiu de Vale do Paraíso (RO), em agosto de 2021, para atravessar a fronteira entre México e EUA. Ela e o grupo ficaram aproximadamente um mês em uma residência, esperando "o melhor momento" para fazer a travessia.

O grupo começou a atravessar o deserto dia 6 de setembro. Porém, no dia seguinte, Lenilda já estava muito debilitada por conta do cansaço, sede, calor e fome. A filha dela contou ao g1 que ela chegou a desmaiar de mal estar.

Segundo suas últimas conversas com a família, Lenilda foi abandonada por amigos de infância com quem viajava e o coiote que deveria ajudar na sua travessia. Ela comentava que o grupo decidiu seguir viagem, mas prometeu que iria voltar para buscá-la.

"Eles abandonaram ela na segunda. Ela ainda caminhou a terça todinha, chegou no lugar que tinha que chegar e ninguém veio buscar", conta a filha de Lenilda, à época, em entrevista ao g1.

Em um dos seus últimos áudios, ela pedia para alguém levar água quando fosse buscá-la, pois não estava mais "aguentando a sede" O corpo dela foi encontrado em setembro, no deserto, a 400 metros de uma casa-trailer.

Um homem identificado como Anderson Jerônimo de Souza, suspeito de ser o coiote que intermediou a imigração ilegal de Lenilda para os EUA, foi preso PF em julho de 2022.

Lenilda era técnica de enfermagem, tinha 49 anos e deixou duas filhas - uma delas grávida na época - e um neto. A rondoniense morreu quatro meses antes de realizar o sonho de ser avó de uma menina. 

O que motivou a travessia arriscada foi "o sonho americano". Ela queria dar melhor qualidade de vida para a família e pagar a faculdade das filhas. Abandonou a carreira de técnica em enfermagem no Brasil para exercer outra profissão no exterior.

O corpo de Lenilda foi sepultado somente em novembro de 2021, dois meses depois que ela foi encontrada morta, por conta de impasses no translado do corpo.

"Ela deixou um buraco dentro de todo ser humano que conheceu ela", lamentou o irmão da vítima.


Corpo Lenilda dos Santos, brasileira que morreu no deserto dos EUA, é velado em Rondônia — Foto: Reprodução/Redes Sociais

Jovem foi roubada, violentada e abandonada para morrer

Em dezembro de 2021, os familiares de uma jovem de 24 anos utilizaram as redes sociais para denunciar que ela tinha sido sequestrada, atacada e abandonada por coiotes durante a travessia do México para os EUA.

Eles pediram ajuda para arrecadar dinheiro e pagar o tratamento da vítima que chegou a ficar em coma em um hospital do México. Segundo a Polícia Federal, ela foi roubada e estuprada por "coiotes".

Na época, a descrição da vaquinha relatava que a jovem "caiu em mãos erradas, foi violentada de todas as formas" e foi encontrada em estado grave, amarrada, próximo a uma fazenda.

O trajeto que a jovem tentou tinha a mesma estratégia de Lenilda: ir até o México através de uma empresa de viagem e depois tentar concluir o caminho a pé.

Em novembro de 2022, a empresa responsável por emitir a passagem da vítima foi alvo da PF. Os bloqueios feitos nas contas das três pessoas físicas e uma pessoa jurídica alvo da operação somam mais de R$ 17 milhões.

Ao total, foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão expedidos pela 7ª Vara Federal de Porto Velho. A operação foi deflagrada em Rondônia e Rio Grande do Norte.


Agência de viagens foi alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de transportar brasileiros ilegalmente para os Estados Unidos — Foto: Polícia Federal/Divulgação


Pai acusou ex de sequestrar filho e ir ilegalmente para os EUA

Em outubro de 2021, um morador de Rondônia acionou a Justiça e a Polícia Federal (PF) para denunciar que sua ex-esposa sequestrou o filho dos dois e entrou ilegalmente nos EUA com a criança.

O pai entrou com uma petição na Justiça pedindo a guarda unilateral, sob a alegação que a mãe colocou em risco a vida da criança fazendo uma travessia ilegal, além de tirá-la do meio familiar e da escola de forma abrupta.

"Eu fiquei sem notícias dele [o filho] por cinco dias. Quando eu consegui falar com meu filho, a primeira coisa que ele falou para mim foi 'pai eu tava preso'", contou o pai ao g1.

Em fevereiro de 2022, a Justiça determinou que a criança fosse devolvida ao Brasil. Segundo a decisão, a mulher omitiu informações do pai da criança para fazer ele assinar documentos necessários para a viagem e depois entrou de forma ilegal nos EUA com ajuda de um coiote [pessoa que atravessa imigrantes para os Estados Unidos].

Fonte: G1/RO