Mercado critica escassez de medidas com efeito duradouro e vê governo hesitante em empenhar capital político no ajuste

Porto Velho, RO - Apenas metade das medidas econômicas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é considerada factível por economistas, tendo em vista dificuldades políticas e riscos de frustração apontados pelo próprio titular da pasta ao apresentar seu plano para melhorar a fotografia das contas públicas.

O pacote promete entregar um ajuste de até R$ 242,7 bilhões, dos quais cerca de R$ 120 bilhões são elencados como possíveis de serem alcançados, segundo especialistas consultados pela Folha.

A redução do rombo nas contas, ainda que parcial, é vista como algo positivo, mas as incertezas envolvendo as promessas do novo governo e a escassez de iniciativas com efeito duradouro são pontos de preocupação. A maior parte das propostas gera receitas extraordinárias para reforçar o caixa neste ano, que não necessariamente vão se repetir nos períodos seguintes.

O temor é que, após algum fôlego fiscal em 2023, as contas voltem a se deteriorar de forma significativa em 2024, à medida que o efeito de curto prazo do plano de Haddad se dissipe.

O economista da ASA Investments Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional, calcula em R$ 120 bilhões o impacto das medidas com maior chance de prosperar. Nessa lista, ele inclui a mudança nos créditos de ICMS, a reoneração de PIS/Cofins sobre receitas financeiras de grandes empresas, a revisão nas projeções de arrecadação do governo federal e o corte nas despesas.

Caso essa leitura se confirme, significará uma redução apenas parcial do rombo deste ano, projetado em R$ 231,55 bilhões —sem chegar no superávit de R$ 11,1 bilhões indicado pelo Ministério da Fazenda como resultado possível, caso todas as iniciativas fossem cumpridas de forma integral.

"Temos que saudar quando a equipe econômica apresenta disposição de reduzir substancialmente o déficit. É claro que, em grande medida, é um déficit gerado pela PEC [proposta de emenda à Constituição que autorizou o aumento de gastos em 2023], que teve a bênção da equipe econômica. Mas há uma intenção, dentro do pacote há medidas que são positivas", avalia Bittencourt.

Análise semelhante foi feita pelo economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, em relatório a clientes. Ele também estima que as ações mais factíveis devem resultar num esforço fiscal próximo a R$ 120 bilhões.

"Embora isso seja um passo na direção correta, na tentativa de reduzir o tamanho do déficit neste ano, as medidas são excessivamente baseadas em receitas em vez de ajustes nas despesas, e a maior parte delas são extraordinárias ou incertas, não constituindo, portanto, um ajuste estrutural para recuperar efetivamente o superávit primário necessário para estabilizar ou reduzir a trajetória da dívida pública", diz o documento.

As maiores incertezas estão relacionadas à reoneração dos combustíveis e aos esforços do governo para reduzir disputas tributárias e incentivar contribuintes a regularizar suas dívidas por meio da concessão de descontos generosos —em alguns casos, incluindo não só juros e multas, mas também o valor principal do tributo devido.

O governo espera obter R$ 28,9 bilhões com a retomada da cobrança de PIS/Cofins sobre gasolina e etanol a partir de março, mas o próprio ministro da Fazenda reconheceu que essa medida não está garantida.

"Isso não impede o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] de reavaliar esses prazos, a depender da avaliação política que ele fizer, o que impõe continuar num rumo de pacificar esse país", afirmou Haddad.

Há ainda R$ 70 bilhões que dependem do sucesso de iniciativas para reduzir os litígios tributários e da adesão dos contribuintes à renegociação das dívidas. Integrantes do mercado citam a falta de parâmetro para dizer se essa é ou não uma estimativa realista.

Mesmo nas despesas, há certo grau de incerteza. Parte da redução de gastos é tida como viável, sobretudo com a maior disposição do governo em revisar contratos e políticas públicas, verbalizada pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB). Há expectativa, por exemplo, de uma avaliação criteriosa dos beneficiários do Auxílio Brasil.

Os economistas pontuam, porém, que não há um mecanismo que imponha o corte, mas sim uma orientação genérica. Além disso, existem dúvidas legais sobre a possibilidade de executar R$ 25 bilhões a menos que o previsto no Orçamento, como sinaliza a equipe de Haddad.

"Não parece haver respaldo legal para contingenciamento, tendo em vista que medidas tomadas ao final de 2022 aumentaram muito a meta de déficit primário e o teto de gastos, que são os dois parâmetros legais que disparam a obrigação legal de contingenciar despesas", afirma o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha.

Bittencourt afirma que a falta de clareza sobre essa execução menor das despesas gera insegurança sobre a potência efetiva do plano econômico.

Mesmo que algum impedimento técnico verificado em obras dê o respaldo legal necessário à não execução da despesa, o ideal seria o governo enviar um projeto de lei cancelando a dotação, para não correr risco de o espaço ser ocupado com outros gastos. Ele aplica o mesmo raciocínio a eventuais folgas geradas pelas revisões de contratos.

O ex-secretário do Tesouro também critica o fato de o governo, em sua visão, não ter empenhado seu capital político no pacote. "A maior parte do ajuste que estão propondo, cerca de R$ 130 bilhões, não mexe com o interesse de ninguém", avalia. A reoneração dos combustíveis, que exigiria desgaste do governo, ficou justamente no espectro das que podem não se concretizar.

O economista Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Renascença, avalia que o pacote foi positivo, mas também manifesta preocupação com o fato de muitas das medidas terem seu impacto concentrado em 2023.

"Está faltando dizer qual vai ser o novo arcabouço fiscal. O teto de gastos virou agora uma coisa irrealista, tem uma série de despesas por fora", diz Salto, destacando a necessidade de se ter um parâmetro para o comportamento das contas no médio prazo.

"Foi um bom começo, mas o que mais me preocupa é a dívida. Há uma sinalização de que ela cresce por um período determinado, e isso é importante. Mas ainda assim, a dívida cresce pelo menos até 2025."

Salto ainda cita a falta de medidas mais ambiciosas do lado das despesas como uma das deficiências do plano apresentado. "O ajuste fiscal é uma medida política, antes de mais nada. Você precisa escolher se quer dívida crescendo, estável ou caindo, se as medidas vão pelo lado da despesa, da receita."

Para ele, uma medida que deveria entrar no radar é a desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo. Assim, segundo ele, seria possível dar aumentos reais aos trabalhadores sem pressionar as contas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). "Claro que isso não é popular, mas é uma ferida aberta que precisa ser tocada em algum momento", diz.

Mendes, por sua vez, ressalta que há riscos não contabilizados pela equipe de Haddad e que podem pressionar as despesas, como repasses ao setor cultural (R$ 3,9 bilhões), o impacto do novo piso da enfermagem (R$ 16 bilhões), a compensação aos estados em áreas como saúde e educação (R$ 25 bilhões) e uma eventual regularização dos pagamentos de sentenças judiciais que foram adiados (R$ 35 bilhões). Com esses riscos, o déficit efetivo poderia alcançar R$ 183,9 bilhões.

Secemski, do Barclays, alerta que o acúmulo de pressões sobre o Orçamento pode levar o governo à necessidade de uma reforma tributária que resulte em aumento da carga, justamente para ajudar no financiamento das contas do país e no controle da dívida.

"Os debates sobre as diferentes propostas de reforma tributária ganharão importância nos próximos meses, particularmente se houver mudanças em relação aos esboços iniciais, que originalmente deveriam ser neutras do ponto de vista da carga tributária", diz o relatório.

Fonte: Folha de São Paulo