Presidente eleito criticou regras da estabilidade fiscal; inflação subiu mais que o esperado

O mercado financeiro refletiu nesta quinta-feira (10) o descontentamento de investidores com as críticas feitas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a regras que limitam os gastos públicos.

As declarações do petista tiveram impacto em um ambiente de negócios já prejudicado desde as primeiras horas do dia pela divulgação da inflação de outubro, que acelerou acima do esperado.

O Ibovespa, índice referência da Bolsa de Valores brasileira, tombou 3,35%, aos 109.775 pontos. Antes do encerramento da sessão, porém, chegou a mergulhar mais de 4%. O dólar comercial à vista disparou 4,08% e fechou cotado a R$ 5,3960, na venda.

"Por que pessoas são levadas a sofrer para garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas dizem que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso ter teto de gastos?", afirmou Lula. "Por que a gente não estabelece um novo paradigma?"

Lula também disse que "algumas coisas encaradas como gastos nesse país vão passar a ser vistas como investimentos". O petista criticou ainda a reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro (PL) e as mudanças na legislação trabalhista feitas na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Também afirmou que a Petrobras não será fatiada e descartou privatizar Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, explicou que o mercado tende a reagir quando discursos de governantes passam a mensagem de que é necessário gastar além do limite para atender demandas sociais.

"Hoje tivemos um forte gatilho com o discurso de Lula trazendo uma relação dicotômica entre responsabilidade fiscal e gasto social", disse Sanchez. "O mercado ou quem prega responsabilidade fiscal não é contra a assistência social."

A volta da inflação no país também contribuiu para o mau humor do mercado doméstico. Após três meses consecutivos de deflação, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) voltou a subir em outubro, informou nesta quinta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Puxado pelos alimentos, o indicador oficial de inflação do país teve alta de 0,59% no mês passado. A taxa ficou acima das projeções de analistas consultados pela agência Bloomberg, que esperavam avanço de 0,49%.

Ações ligadas ao setor de consumo de bens não essenciais, mais vulneráveis à alta da inflação porque podem mais facilmente serem dispensados pelos consumidores, desabaram 8%, em média.

Já as ações mais negociadas da Petrobras e do Banco do Brasil, que sofrem maior impacto das decisões do governo, recuaram 2,89% e 1,96%, respectivamente.

"O mercado já amanheceu com o rebote desse discurso [de Lula] e com o IPCA um pouco mais forte", afirmou Fábio Guarda, sócio e gestor da Galapagos Capital.
Também reagindo à inflação e às declarações de Lula, os juros negociados no mercado apresentaram forte alta.

As taxas dos depósitos interbancários com vencimento em 2024 saltavam de 13,05% para 13,63% ao ano. Negociados entre instituições financeiras, os contratos dos chamados juros DI, sobretudo aqueles com vencimento de curto prazo, tendem a subir mais quando há maior expectativa no setor financeiro de que o Banco Central precisará elevar a sua taxa de referência (Selic) para controlar a inflação.

"Juros futuros estressaram com sinalização de piora no contexto inflacionário associada ao risco fiscal das propostas do novo governo. Esse cenário pode ser observado com maior intensidade pela queda das ações nos setores de aviação, educação e construção civil, mais sensíveis às oscilações de juros", explicou Leandro De Checchi , analista da Clear Corretora.

Enquanto o mercado brasileiro derreteu, o americano disparou diante da perspectiva de queda dos juros após um recuo maior do que o esperado dos preços ao consumidor americano em outubro. A taxa anual está agora acumulada em 7,7%, contra os 8,2% registrados em setembro.

Essa diferença de ambientes relacionada à expectativa de alta da inflação no Brasil e queda nos EUA provocou grande dispersão entre o Ibovespa e o S&P 500, parâmetro da Bolsa de Nova York, que subiu 5,54% nesta quinta.

"Hoje [quinta] ocorreu uma coincidência muito grande de serem divulgadas duas noticias muito boas lá fora [além da desaceleração da inflação, também houve esfriamento do mercado de trabalho] e duas noticias muito ruins aqui, que foi o IPCA acima do esperado e o discurso perigoso do presidente, do ponto de vista fiscal", detalhou Guarda, da Galapagos.

Um dos "dias mais malucos do mercado dada a disparidade entre Brasil e Estados Unidos" já testemunhados por Rodrigo Jolig, diretor de investimentos da Alphatree Capital, o que, para ele, indica que os investidores estão "questionando a credibilidade fiscal do país" após o discurso de Lula.

Fonte: Folha de São Paulo