Especialistas consultados pelo Metrópoles veem como pequenas as chances de Bolsonaro reverter vantagem de Lula na região

Porto Velho, RO - Candidatos à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) deram início à corrida rumo ao 2º turno com duro embate em busca de conquistar o eleitorado do Nordeste. Apesar de adotarem estratégias distintas, as campanhas convergem na tentativa de ganhar terreno na região, dominada pela esquerda nas últimas décadas.

Nascido em Pernambuco, Lula mantém nesses estados seu maior capital político, onde a preferência do eleitorado se refletiu em números nas urnas. No primeiro turno de 2022, a região deu ao petista 21,7 milhões de votos, contra 8,7 milhões de Bolsonaro — vantagem de 13 milhões de votos para o ex-presidente. Em termos percentuais, Lula teve 65,7% no Nordeste contra 27,9% do presidente.

Apesar da ampla diferença, o atual chefe do Executivo acredita que há espaço para crescer na região, e tem usado como tônica da campanha voltada para essa parcela do eleitorado a conclusão das obras de transposição do rio São Francisco. Já o petista pretende investir no Dia do Nordestino, comemorado neste sábado (8/10), para ampliar a rejeição do adversário e carimbar nele o título de intolerante.

Bolsonaro iniciou a semana com acenos à população nordestina e defendendo os eleitores da região após onda de ataques xenofóbicos nas redes sociais. Na terça, o filho dele e senador, Flávio Bolsonaro, divulgou vídeo em que agradecia os votos dados ao pai e dizia que “o povo nordestino é mais importante do que nunca”.

Na quinta-feira (6/10), contudo, o titular do Planalto se viu no epicentro de uma crise após usar os índices de analfabetismo para tentar explicar a derrota sofrida para o petista na região.

“Lula venceu em nove dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste”, declarou Bolsonaro. O candidato à reeleição defendeu ainda que “a esquerda levou o analfabetismo e a falta de cultura” aos municípios.

Questionado sobre a declaração, o mandatário chamou as críticas de “narrativas” para tentar colocá-lo “contra os irmãos do Nordeste”. “A esquerda divide para conquistar. Já tentaram com negros, mulheres, indígenas etc. Agora tentam com nordestinos, para abafar conquistas, como a transposição do São Francisco, que nós concluímos”, defendeu.

Ao tentar rebater a fala de Bolsonaro, Lula cometeu gafe. “Este país nunca teve um governo que se preocupasse com a educação”, declarou o petista, que foi presidente de 2003 a 2010. Em seguida, emendou: “Eles têm de saber que a gente não é analfabeto porque gosta, que nós nordestinos ajudamos a construir cada metro de asfalto deste país, cada ponte, cada casa”, assinalou. “Quem tiver uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse negacionista monstro que governa este país.”

No primeiro turno de 2022, Bolsonaro melhorou o percentual de votos que havia obtido em 2018 em sete estados da região. São eles: Ceará, Sergipe, Maranhão, Alagoas, Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte. Contudo, mesmo com o avanço, ainda perdeu em todos os locais.

Nordeste no centro

Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que o cenário não aponta para virada de Bolsonaro na região neste segundo turno. Ainda que o histórico alinhado à esquerda tenha se consolidado apenas a partir de 2006, a forte onda “lulista” tende a se manter em 2022.

O cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que a força do ex-presidente Lula no Nordeste pode ser ilustrada por uma frase observada em pesquisa eleitoral qualitativa de 2010.

“O eleitor disse assim: ‘O governo do presidente Lula bateu em nossa porta’. Ou seja, eles quiseram dizer que o Estado chegou até eles por meio de políticas públicas, além de assistências financeiras. Eu não vejo espaço para o presidente Jair Bolsonaro crescer muito no 2º turno na região, de modo algum. Se não cresceu em 10 anos, por que cresceria em 10 dias?”

Alan Lacerda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), avalia que “a questão não se restringe a garantir auxílios”. “É muito estreito ver o eleitorado nordestino apenas do ponto de vista do dinheiro, não é assim que funciona.”

O especialista também criticou o que chamou de “estreiteza” das políticas voltadas para esses estados. “Não há uma visão específica para o Nordeste. É uma ideia de ‘tome isso e vote’. O eleitor não cai nessa”, frisa.

Desde a reeleição de Lula, em 2006, a região tem sido decisiva para sustentar as bases dos candidatos do PT. Foi assim com o ex-presidente e agora candidato, com Dilma Rousseff nos dois mandatos, e em 2018, quando o Nordeste foi a única região em que Fernando Haddad ficou à frente de Bolsonaro.

Nas últimas eleições gerais, Haddad registrou 69,7% dos votos válidos do Nordeste, ante 30,3% de Jair Bolsonaro, à época filiado ao PSL. O petista contabilizou 20,3 milhões de votos; enquanto o atual presidente somou 8,8 milhões.

Rio São Francisco

Entre as cartas na manga usadas por Jair Bolsonaro para tentar atrair o eleitorado nordestino, a conclusão das obras de transposição do rio São Francisco é a mais explorada.

Além de ocupar espaço em diversos atos de campanha, o tema entrou em pauta em uma inserção no horário gratuito de propaganda eleitoral protagonizado pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, voltado para as mulheres nordestinas.

A maior obra de infraestrutura hídrica do país começou ainda em 2008, no governo Lula, e foi concluída em fevereiro de 2022, após quase 15 anos. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), 76,06% foram finalizados entre 2008 e 2018; e 23,94%, no atual governo, entre 2019 e 2021.

Adriano Oliveira aponta que, apesar da divulgação, a obra ainda é “fortemente associada” ao petista, e não a Bolsonaro. “[O atual presidente] tentou ter a responsabilidade por essa obra, divulgou que a concluiu, mas o início dela foi com o ex-presidente Lula e assim o eleitorado entende”, avalia.

Lacerda explica que, em contraponto com os apoios de governos do Sudeste, “o Nordeste é decisivo; contudo, não ganha sozinho uma eleição”. Na visão dele, há espaço para crescer, “mas muito pouco”.

Fonte: Diário da Amazônia