'Natureza em preto e branco' celebra o legado do artista e ativista ambiental polonês que faria 100 anos em 2021

Porto Velho, RO - Na última vez em que esteve com Frans Krajcberg (1921-2017), o marchand Max Perlingeiro ouviu do dele uma frase que não lhe saiu da cabeça: “Um dia eu dormi, e quando acordei a natureza era preta e branca”.

O encontro ocorreu em 2011, num dos salões do Museu de Arte Contemporânea (MAC) que abrigava uma exposição em homenagem aos 90 anos do escultor, pintor, gravador, fotógrafo e ativista ambiental. Mais de dez anos depois, Perlingeiro leva para a Pinakotheke Cultural, sua galeria em Botafogo, a exposição “Natureza em preto e branco”, que celebra a obra e o legado do polonês que faria 100 anos em 2021. A mostra, inclusive, era para ter acontecido no ano passado, mas foi adiada pela pandemia.

— Nesse encontro, ele já estava com a saúde bem comprometida. Estávamos os dois sentados, ele virou a cabeça para trás, olhou pra mim e disse essa frase. Quando pensamos em fazer essa exposição, retomei essa frase, que achei muito pertinente, e por isso escolhemos só obras preto e brancas — explica Max Perlingeiro, que assina a curadoria junto com Galciane Neves.

Entre pinturas, esculturas, gravuras e fotografias, as 22 obras da exposição vêm de coleções privadas do Rio, de São Paulo e de Fortaleza. Há 13 esculturas, as quais Perlingeiro chama de monumentais “não só pela qualidade indiscutível, mas pelo tamanho”, e a maioria dos trabalhos são inéditos.

Uma seção da mostra, no entanto, é tratada como relíquia pela curadoria: um ensaio fotográfico de Frans Krajcberg feito em 1996 pelo fotógrafo Luiz Garrido. Além das fotos que escancaram um lado doce de um artista reservado e tido, muitas vezes, como razinza, há um filme também inédito sobre o próprio ensaio, que ocorreu no sítio que Krajcberg morava em Nova Viçosa, na Bahia.


Ensaio de Krajcberg aconteceu em sua fazenda em Nova Viçosa, na Bahia — Foto: Luiz Garrido / Divulgação

— O Garrido é um fotógrafo de retrato, conseguiu captar na íntegra a essência do Krajcberg. É um ensaio lindo e afetivo. Enquanto ele fotografava, um assistente dele filmou tudo. Nós recuperamos esse filme e ficou emocionante, é uma das coisas mais importantes dessa exposição.

O público vai poder ver, além das imagens, a interação entre fotógrafo e fotografado. Há momentos inusitados, de brincadeiras entre os dois — explica Perlingeiro.

Luiz Garrido conta que conheceu Frans Krajcberg em Paris, quando trabalhava de freelancer como fotógrafo para revistas como “Manchete” e “O Cruzeiro” depois de ter largado um curso de Economia, a contragosto do pai. Na capital francesa, os dois estreitaram os laços, ainda que Krajcberg não fosse exatamente um carinhoso confesso:

— Eu mostrava as minhas fotos e ele dizia: 'tudo uma merda’ (risos). Me ensinou muita coisa, realmente, íamos no ateliê dele, em Paris, ele me mostrava as fotos de natureza que fazia, dizia sempre pra eu andar na rua, pra observar as coisas, fomos ficando amigos. Ele era o cara — diz Garrido, saudoso.

Frans Krajcberg nasceu em Kozienice, na Polônia, filho de um comerciante e de uma militante comunista. Judeu, teve sua família dizimada em campos de concentração em meio ao horrores da Segunda Guerra e chegou a servir ao exército russo que atuava em seu país, se refugiando depois na Romênia.

Chegou ao Brasil em 1948, aos 27 anos, por incentivo de Marc Chagall. Aqui, se envolveu de vez com a causa ambiental, tendo realizado diversas viagens para a Amazônia e para o Pantanal, onde recolhia material para suas obras, como raízes e troncos calcinados. Fez da proteção da natureza pauta principal do seu trabalho até o fim da vida.

— Ele foi nosso primeiro “artivista”, de fato. Nos anos 1970, ele saiu cruzou o Rio Negro, na Amazônia, com o artista Sepp Baendereck e o crítico Pierre Restany. Redigiram a partir daquela vivência o “Manifesto do Rio Negro”, divulgado em 1978. Você vê que o grito dele estava presente nas obras — diz Max Perlingeiro.

Fonte: O Globo