Investigação sobre fraudes na contratação de 40 leitos de UTI durou mais de 4 anos sem conclusão; 6ª turma do STJ aplicou o princípio da razoável duração do processo.


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Porto Velho, RO - A 6ª turma do STJ determinou o trancamento do inquérito policial instaurado para apurar possíveis irregularidades na contratação emergencial de leitos de UTI durante a pandemia da Covid-19, em Cuiabá/MT.

Para o colegiado, a investigação, aberta há mais de quatro anos, extrapolou de forma injustificada o prazo fixado judicialmente, configurando constrangimento ilegal e violação ao princípio constitucional da razoável duração do processo. A decisão foi unânime e seguiu o voto do relator, ministro Og Fernandes.

Entenda o caso

O inquérito foi instaurado em 2021 no âmbito da Operação Curare, com o objetivo de apurar possíveis fraudes na contratação emergencial de 40 leitos de UTI no hospital municipal São Benedito, em meio à crise sanitária provocada pela Covid-19.

O ex-secretário de saúde de Cuiabá era investigado por supostas irregularidades nos contratos firmados pela Empresa Cuiabana de Saúde Pública com duas empresas privadas.

A defesa impetrou habeas corpus no TRF da 1ª região alegando excesso de prazo, falta de fundamentação das medidas cautelares deferidas (como buscas, quebras de sigilo e afastamentos) e ausência de individualização das condutas. Sustentou que o inquérito já ultrapassava três anos sem relatório final, apesar do prazo judicial de 60 dias para conclusão.

O TRF-1, entretanto, negou o pedido por entender que a duração do inquérito era compatível com a complexidade das apurações, que envolveriam suposta organização criminosa, múltiplos contratos e diversas empresas. Para o tribunal, não havia desídia estatal que justificasse o trancamento da investigação.

No recurso dirigido ao STJ, a defesa reiterou o excesso de prazo e a falta de justa causa para a continuidade da investigação, enquanto o MPF opinou pelo desprovimento do pedido.

Razoável duração do processo

O relator, ministro Og Fernandes destacou que o direito fundamental à razoável duração do processo, previsto no art. 5º, L,XXVIII, da CF, também se aplica à fase investigativa. Embora não exista prazo legal peremptório para a conclusão de inquéritos com investigados soltos, o relator ressaltou que a aferição deve observar critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
"Cabe ressaltar que o eventual reconhecimento da ilegalidade não decorre da mera aplicação de critério matemático, mas deve resultar de uma análise ponderada do julgador, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se as circunstâncias específicas do caso concreto, a fim de prevenir atrasos indevidos e injustificáveis na atividade estatal."
No caso concreto, o inquérito já durava cerca de quatro anos e meio sem apresentação de relatório final, mesmo após o juízo de primeiro grau ter fixado prazo de 60 dias para conclusão, posteriormente descumprido. Além disso, diligências permaneciam pendentes por mais de um ano sem justificativa plausível.

Para o relator, a complexidade das apurações não poderia justificar a perpetuação da investigação, sobretudo diante da evidente inércia estatal.
"A eventual complexidade da investigação, por si só, não pode servir como fundamento para o prolongamento indefinido do inquérito, sobretudo diante da inércia na realização de diligências pendentes há mais de 1 ano, sem nenhuma justificativa plausível para a excessiva demora na sua execução, verificando-se a ocorrência de situação excepcional, apta a justificar o trancamento da ação penal."
Og Fernandes também citou precedentes do STJ que vedam investigações prolongadas indefinidamente quando há demora injustificada ou ausência de elementos que sustentem sua continuidade.

Diante desse quadro, a 6ª turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso para determinar o trancamento do inquérito policial.

O escritório Peter Fernandes e Marihá Viana Advogados Associados atua no caso.

Fonte: Migalhas.