Decisão de Trump de taxar países aumentará o custo de fazer negócios com os três maiores parceiros comerciais dos EUA e poderá marcar o início de uma guerra comercial economicamente dolorosa Foto: Roberto Schmidt/AFP
Porto Velho, RO - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumpriu neste sábado, 1°, sua ameaça de impor tarifas rígidas ao México, Canadá e China, preparando o terreno para uma guerra comercial desestabilizadora com os maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos.
De Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida, Trump assinou três ordens executivas que impõem tarifas de 25% sobre todos os produtos do Canadá e do México, com uma tarifa um pouco menor de 10% sobre as exportações de petróleo canadenses. Trump também impôs uma taxa de 10% sobre os produtos chineses. As medidas entrarão em vigor na terça-feira, 4.
Um funcionário da Casa Branca disse à imprensa neste sábado que as ordens executivas também conteriam uma cláusula de retaliação: se um país tentasse retaliar com tarifas sobre os produtos dos EUA, Trump responderia com mais tarifas.Normalmente, as tarifas são usadas para corrigir um desequilíbrio de mercado, principalmente se um país estiver subsidiando suas exportações. Mas essas taxas têm o objetivo de pressionar o Canadá e o México a acabar com o fluxo de migrantes e drogas para o país, além de punir a China por seu papel no comércio de fentanil. Em vários momentos, Trump declarou que não está interessado em negociar as tarifas e que as empresas que quiserem evitá-las devem transferir sua produção para os Estados Unidos.
A medida aumentará o custo de fazer negócios com os três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos e poderá marcar o início de uma guerra comercial economicamente dolorosa. O Canadá, o México e a China são responsáveis por mais de um terço das importações dos EUA, fornecendo carros, medicamentos, calçados, madeira, eletrônicos, aço e muitos outros produtos aos consumidores americanos. Trump e outras autoridades da Casa Branca têm se esquivado das críticas de que as tarifas aumentarão a inflação.Retaliação
Os países também prometeram responder aos impostos de Trump com suas próprias tarifas sobre as exportações dos EUA. O Canadá indicou que taxará o suco de laranja da Flórida, o uísque do Tennessee e a manteiga de amendoim do Kentucky. A decisão de atingir esses produtos, pelo menos inicialmente, é estratégica: eles vêm de Estados com senadores republicanos e com eleitores que elegeram Trump em 2024.
Embora o anúncio de Trump tenha sido sinalizado com antecedência, ele ocorreu antes que ele realizasse qualquer tipo de negociação séria com os líderes dos três países. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, enfatizou na sexta-feira que seu país deveria proceder com “cabeça fria” e um plano de retaliação. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse na sexta-feira que seu país estava preparado para responder se Trump tomasse uma atitude.Alguns empresários elogiaram a decisão de Trump pelo impacto que teria sobre os fabricantes dos EUA.
Zach Mottl, presidente da Atlas Tool Works, uma fabricante de metais perto de Chicago, chamou as tarifas de “um passo ousado e necessário para reverter décadas de políticas comerciais fracassadas e reconstruir as indústrias agrícolas e de manufatura dos Estados Unidos”.
Mottl, que também é presidente da Coalition for Prosperous America, um grupo que apoia as tarifas, disse em uma entrevista que sua fábrica teve dificuldades e que ele viu muitos fornecedores e clientes fecharem as portas nas últimas décadas devido à concorrência estrangeira.
“Uma tarifa universal é uma ótima maneira de gerar receita e dar início ao crescimento do emprego nos Estados Unidos”, disse ele.
Mas outros disseram que as tarifas poderiam ser prejudiciais para muitas empresas que dependem de cadeias de suprimentos internacionais. John G. Murphy, vice-presidente sênior da Câmara de Comércio dos EUA, disse que as tarifas causariam “graves danos a muitos fabricantes dos EUA” e seriam “uma receita para o declínio”.Muitas importações são materiais, insumos e equipamentos usados pelos fabricantes americanos que, muitas vezes, não estão disponíveis em fontes americanas, disse Murphy.
Além disso, há pouca folga na economia dos EUA atualmente, acrescentou, o que significa que não há muitos trabalhadores disponíveis e dispostos a fazer o trabalho de montagem com baixos salários que os fabricantes transferiram para países como o México.
As consequências econômicas das tarifas podem ser devastadoras para o Canadá e o México, que enviam cerca de 80% de suas exportações para os Estados Unidos e são mais dependentes economicamente do comércio do que os Estados Unidos.Nas últimas semanas, os governos canadense e mexicano têm se esforçado para evitar as tarifas, tranquilizando a administração Trump sobre seus esforços para policiar a fronteira e deter o tráfico de drogas. As autoridades canadenses e mexicanas também afirmaram que responderão a quaisquer tarifas dos EUA com seus próprios impostos.
Chrystia Freeland, ex-ministra das finanças do Canadá, escreveu nas redes sociais na sexta-feira que o Canadá deveria ter como alvo a Tesla, que é propriedade de Elon Musk, um conselheiro próximo de Trump. “Devemos revidar ― dólar por dólar ― começando com tarifas de 100% sobre todos os veículos da Tesla e vinho, cerveja e destilados dos EUA”, escreveu ela. “Devemos proteger os trabalhadores e as empresas canadenses.”Sheinbaum disse à imprensa na sexta-feira que o governo mexicano vinha trabalhando há meses em um plano para reagir a possíveis tarifas. “Estamos preparados para qualquer cenário”, disse ela.
Acordo de livre-comércio
Embora Trump esteja atingindo tanto o Canadá quanto o México, a situação na fronteira norte dos Estados Unidos é bem diferente da situação na fronteira sul.
No ano passado, os agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA interceptaram cerca de 19 quilos de fentanil na fronteira norte, em comparação com quase 9.600 quilos na fronteira com o México, onde os cartéis produzem a droga em massa.
Em ambas as fronteiras, o número de travessias ilegais também caiu drasticamente nos últimos meses, depois de ter disparado no final de 2023 e 2024. Em dezembro, os agentes fizeram cerca de 47 mil prisões na fronteira sul e 510 na fronteira norte.
As tarifas são uma afronta especial ao Canadá e ao México porque os países têm um acordo de livre comércio com os Estados Unidos há muito tempo, inclusive um que o presidente assinou durante seu primeiro mandato.O Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), que Trump negociou para substituir o Nafta, deve permitir que as mercadorias circulem sem tarifas pela América do Norte.
O USMCA prevê uma exceção para que os governos ajam para tratar de questões de segurança nacional, e o governo Trump poderia alegar que a questão da fronteira é uma delas.
As tarifas serão particularmente dolorosas, pois mais de 30 anos de acordo de livre-comércio tornaram as economias dos EUA, do Canadá e do México altamente integradas.
As cadeias de suprimentos que produzem carros, roupas, alimentos embalados e outros bens foram construídas para atravessar as fronteiras da América do Norte. E muitos bens produzidos em fábricas no Canadá e no México são feitos com peças ou matérias-primas dos Estados Unidos, o que aumenta a possibilidade de as tarifas afetarem negativamente a economia dos EUA.Em um registro do governo no ano passado, por exemplo, um grupo comercial que representa a General Motors, a Ford e a Stellantis disse que, em média, 50% do conteúdo de um veículo fabricado no Canadá vinha dos Estados Unidos. No caso do México, a proporção era de 35%, segundo o grupo.
Os importadores que trouxerem mercadorias do Canadá, México e China para o país estarão imediatamente sujeitos ao custo adicional de uma tarifa. Eles terão que decidir se repassarão esses custos aos consumidores americanos na forma de preços mais altos.
Custo para os consumidores
Muitos economistas esperam que eles façam isso, pelo menos em parte. Isso poderia ser particularmente doloroso para os americanos, em um momento em que muitos já estão preocupados com o custo dos mantimentos, da gasolina e de outros produtos.
James Knightley, economista-chefe internacional do ING, advertiu que os consumidores mais pobres enfrentariam o maior ônus decorrente do aumento das tarifas. Isso ocorre porque essas famílias tendem a gastar mais de sua renda em bens físicos do que as famílias de renda mais alta, que gastam desproporcionalmente mais em serviços e experiências.
Supondo que os americanos não substituam os itens mais caros e que os consumidores arquem inteiramente com o custo, disse Knightley, as tarifas se traduziriam em um impacto de US$ 835 por pessoa nos Estados Unidos, ou US$ 3.342 para uma família de quatro pessoas. As famílias trabalhadoras, segundo ele, parecem “particularmente vulneráveis”.Além do custo para as famílias, os economistas também se preocupam com os efeitos mais amplos sobre o crescimento econômico, alertando que as tensões comerciais provavelmente levarão a menos investimentos e a uma atividade comercial mais moderada.
Pesquisadores do Peterson Institute for International Economics, em Washington, estimam que uma tarifa de 25% sobre todas as exportações do México e do Canadá atingiria esses países com mais força, mas desaceleraria o crescimento econômico e aceleraria a inflação nos três países.
Trump não foi persuadido por esses argumentos. Há muito tempo ele se vangloria do valor das tarifas como uma forma de gerar receita, impulsionar a produção dos EUA e forçar os governos estrangeiros a agir.
Falando à imprensa no Salão Oval na sexta-feira, Trump sugeriu que esse era apenas o começo de sua guerra comercial. O presidente disse que também imporia tarifas sobre a União Europeia, dizendo que ela havia “nos tratado de forma tão terrível”.Ele acrescentou que os Estados Unidos acabariam por impor tarifas sobre chips, petróleo e gás ― “acho que por volta do dia 18 de fevereiro”, disse ele ― bem como taxas posteriores sobre aço, alumínio e cobre.
Os principais assessores econômicos de Trump, bem como seu recém-nomeado secretário do Tesouro, Scott Bessent, e sua escolha para secretário de Comércio, Howard Lutnick, rejeitaram a ideia de que os consumidores dos EUA sofrerão com as tarifas.
Em uma audiência de confirmação perante o Senado na semana passada, Lutnick afirmou que o preço de um determinado produto pode subir, mas que a noção de que as tarifas causam uma inflação mais ampla é “absurda”. “A economia dos Estados Unidos da América será muito, muito melhor”, disse ele.
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