Silvia Penna, diretora da empresa no Brasil, também faz corridas para testar serviço

Porto Velho, RO - Prestes a completar uma década de atuação no Brasil, a Uber vem tentando elevar a presença de mulheres entre os motoristas do aplicativo, que ainda tem perfil predominantemente masculino.

A empresa não revela o percentual exato de mulheres na frota, mas afirma que se trata de um dígito baixo e que a participação delas no volante tem avançado desde o lançamento, em 2020, de um programa com ferramentas que dão às motoristas a opção de aceitar corridas apenas de passageiras mulheres.

Além de elevar a diversidade, a ideia é tornar o serviço mais amigável para que a Uber seja também uma fonte de renda para elas. Silvia Penna, 35, diretora-geral da Uber Brasil, diz ver no movimento uma transformação cultural.

"É um trabalho que a gente continua fazendo, colhendo frutos devagar, mas acreditamos no potencial", afirma.

No escritório, a presença feminina é maioria, inclusive na direção, que a executiva assumiu em 2021, sucedendo outra mulher.

Penna diz que ela própria também trabalha como motorista de Uber em algumas ocasiões para entender gargalos e buscar melhorias. Ela conta que já teve de cancelar corrida e relata casos de motoristas que presenciaram partos de passageiras em trajetos à maternidade.

O trabalho de motorista de Uber é ainda muito masculino? Qual é a parcela de mulheres motoristas?

Ainda é mais masculino do que feminino. Temos feito esforços para trazer mais mulheres para a plataforma. É importante, tanto pelo ponto de vista de diversidade como fonte de renda para mulheres.

Em 2020, desenvolvemos o programa U-Elas, em que trouxemos parcerias para entender quais são as barreiras que as mulheres motoristas têm para entrar na Uber e como criar tecnologias para diminuir essas barreiras. Por exemplo, uma tecnologia em que elas conseguem selecionar viagens apenas de passageiras mulheres. A gente viu que essa era uma das barreiras de entrada.

O percentual de motoristas mulheres na plataforma ainda é de um dígito só, mas vem em uma ascendente desde que lançamos esse programa. É um trabalho que a gente continua fazendo, colhendo frutos devagar, mas acreditamos no potencial. É uma transformação cultural, mas dá a importância de a Uber ser uma forma de geração de renda e independência financeira para muitas mulheres.

E as passageiras? Qual é participação delas no total?

O percentual é similar. Varia na casa dos 50%. Isso já é bem misto.

A criação desse programa U-Elas está ligada ao problema da violência contra a mulher?

Nos estudos que trouxemos com fundações parceiras, vimos que dar a opção de geração de renda através da Uber gera independência financeira à mulher, e isso é um dos grandes fatores para tirá-la de situação de violência doméstica. Eu não diria que essa foi a única motivação do programa, mas foi um dos resultados dos estudos.

Como é um trabalho reconhecido como mais masculino, muitas mulheres tinham receio de como seria a primeira experiência e quem entraria no carro. Então, essa ferramenta, que dá a elas a opção de receber chamados só de passageiras mulheres, foi uma forma de quebrar essa barreira inicial da dúvida. Inclusive eu, quando comecei a dirigir, usei essa ferramenta. Naquele momento, na minha primeira viagem, me deu segurança para entender como ia funcionar.

Você dirige Uber para testar o serviço? Quais são as suas conclusões?

Fazemos isso há bastante tempo. Sempre incentivamos os funcionários a dirigir. É importante para coletar feedback. Todos nós, no dia a dia, somos usuários da Uber. A gente consegue ver pelo lado do usuário quais são as oportunidades de melhoria. Fazemos rodas de conversas e escutamos feedback pelos canais de atendimento. Mas [dirigir] é uma das formas de coletar feedback na ponta, de entender de fato como é a experiência.

Estruturamos recentemente esse programa para todos os funcionários da Uber, incentivando a liderança a dirigir para coletar esses feedbacks. Nos dá experiência, na prática, de muitas coisas que a gente escuta, mas na hora que sente, percebe a dificuldade. Por exemplo, como facilitar a conexão entre motoristas e passageiros em locais públicos de muita densidade? Eu fiz uma viagem no terminal da Barra Funda [em São Paulo, e vi] como é difícil encontrar o passageiro. Aí a gente volta e vê como é possível melhorar.

Você já cancelou uma corrida?

Infelizmente, essa viagem do terminal da Barra Funda eu cancelei, porque não consegui encontrar o passageiro. Ele me mandava a mensagem tentando explicar onde ele estava, e eu não consegui encontrar um ponto de parada.

Os motoristas de Uber costumam contar histórias inusitadas que já aconteceram nas corridas deles. Você tem alguma história dessas?

Comigo eu acho que não. Das histórias que a gente vê por aqui, as mais impressionantes, e não são tão raras, são os nascimentos de filhos que acontecem dentro do carro. Já aconteceu, algumas vezes, em que o motorista parceiro pega o passageiro a caminho da maternidade. Já teve casos em que conseguiram Corpo de Bombeiros, mas teve caso em que o motorista fez o parto da passageira e depois levou o bebê à maternidade.

Outra história que muitos motoristas contam é que a Uber cobra comissão alta, com casos de corridas de R$ 59,95 em que o motorista só fica com R$ 35. A Uber cobra percentual fixo nas corridas?

O percentual por viagem varia. Dependendo do trajeto e do preço que foi dado, pode ter oscilações da taxa. A gente sempre fica com a menor parte. E na média, esse número fica abaixo dos 25%. A gente manda para os motoristas parceiros um reporte semanal, que conta para eles como foram os ganhos detalhadamente com a taxa da semana dele para ter visibilidade e transparência.

A sua antecessora era também uma mulher. Como está a participação feminina no escritório?

Os cargos de liderança de alta gerência já é mais da metade. A representatividade de mulheres na liderança era baixa. Foi um trabalho de conscientização desde o processo de contratação.

É importante se espelhar. Isso aconteceu comigo. Ter uma mulher como minha antecessora nesse cargo me inspirou. Abrimos vagas de contratação de liderança mulher, mas também fazemos processo interno de gestão de ciclos de promoção para garantir equidade. É um trabalho consistente para continuar esses esforços de diversidade e inclusão. Gênero a gente já conseguiu, mas não pode parar.

Como é a política de licença paternidade no escritório? Qual é o impacto disso?

A gente segue a regra do país no Programa Empresa Cidadã, então, a mulher tem seis meses. E a nossa política global na Uber é de 18 semanas para homens e mulheres, exatamente com o intuito de tirar vieses de contratação. Se tanto o homem quanto a mulher sai de licença, você deixa os dois numa igualdade de entrega e processos que faz parte de toda a nossa estratégia de inclusão de gênero. Então, os homens aqui no Brasil têm quatro meses e meio de licença.

E a eletrificação da frota? Qual é a perspectiva de isso ganhar força de verdade e alcançar parte relevante da frota?

Temos feito esforços com vários parceiros locais no Brasil para aumentar essa frota elétrica. Crescemos 130% a frota elétrica desde o ano passado, mas ainda é percentualmente pequeno dentro da nossa base, exatamente pela infraestrutura do país.

A gente trabalha muito para incentivar a eletrificação na nossa base, mas há um trabalho da estrutura, que temos de acompanhar: ter mais pontos de carregamento, especialmente no caso de motoristas, que a gente sabe que não dá para carregar só à noite, só em casa. Precisa ter esse investimento de carregamento e mais disponibilidade de veículos elétricos com preço acessível.

E a regulamentação do trabalho dos motoristas? Como foi o diálogo com um governo que é marcado pelo sindicalismo e qual foi o momento de maior tensão?

A gente fez parte de quase um ano de discussão do grupo de trabalho tripartite, com representantes do governo, da indústria e dos trabalhadores, inclusive sindicalistas. Foi um exercício de encontrar um meio-termo. Durou tanto porque foi um exercício extenso de trabalho e debate, mas muito positivo.

Essa semana, o presidente Lula enviou esse projeto de lei que surgiu dentro do acordo entre esses três grupos. Com esse projeto de lei enviado ao Congresso, a gente sabe que é uma etapa e o início de um novo amplo debate. Mais de 75% dos motoristas parceiros falam que o ponto mais valorizado é a flexibilidade, mas que também consideram os direitos dos motoristas, o que tem nesse projeto de lei, ganhos mínimos, acesso a Previdência Social. O debate continua acontecendo agora na Câmara.

Como avalia a atuação da Justiça do Trabalho nesse tema até aqui?

Teve atualizações recentes [no Supremo Tribunal Federal]. Teve a definição de repercussão geral de um recurso extraordinário da Uber, e a gente acredita que isso vai ser importante para dar mais segurança jurídica a toda a discussão nos tribunais.

Tem mais de 6.900 casos que reforçaram que os motoristas parceiros são autônomos, e acreditamos muito nesse precedente, que a definição do Supremo vá em linha com esses casos passados, essas jurisprudências que vêm acontecendo ao longo dos anos aqui na Uber. A repercussão geral é um passo importante para trabalharmos na segurança jurídica do modelo.

Qual é o tamanho do mercado brasileiro na comparação com as outras operações da Uber no mundo?

A Uber Brasil é uma operação bem relevante da Uber no mundo. São Paulo está entre as cinco principais cidades.

RAIO-X | SILVIA PENNA, 35

Formada em engenharia civil pela UFMG e mestre em administração pela FIA, a executiva ingressou na Uber em 2016 como gerente de operações em Belo Horizonte.A

Fonte: Folha de São Paulo