Continuação supera original e tira o cinemão trash americano da lista de animais em extinção

Porto Velho, RO - Os momentos menos interessantes de Megatubarão 2 são aqueles em que o filme se resigna ao lugar de “mais um veículo de ação de Jason Statham”. Apesar da direção e montagem perfeitamente aptas e do carisma óbvio do astro, o confronto mano-a-mano entre Statham e os antagonistas da vez não é o forte dessa história, e ela mesma parece saber disso. Não, o público que vai pagar para ver Megatubarão 2 provavelmente procura ver, bom… o megatubarão, e o decorrente caos da sua atuação.

É verdade que isso só acontece lá pela metade da 1h56 de Megatubarão 2, mas não só os dois últimos atos do filme fazem valer a espera, como a preparação até lá é executada com deliberada (e deliciosa) auto ironia. Reencontramos o protagonista Jonas (Statham) alguns anos depois dos eventos do primeiro filme, trabalhando em uma estação de pesquisa marinha co-liderada por Jiuming (Wu Jing), irmão de Suyin, interesse romântico do herói no primeiro filme - descobrimos rapidamente, sem muita cerimônia, que ela morreu e deixou a filha Meiying (Shuya Sophia Cai) sob os cuidados de Jonas.

A forma como o roteiro de Jon Hoeber, Erich Hoeber e Dean Georgaris (mesmíssimo trio do primeiro Megatubarão) trata essa questão da paternidade postiça é emblemática da sua abordagem para todos os “dilemas dramáticos” - com aspas, mesmo - da trama. A dedicação de Jonas a Meiying é tratada como fato consumado, e reduzida a algumas trocas verbais preocupadas entre os dois.

Mais importante, no entanto, é notar que ela é transformada em ferramenta para introduzir o filme a outra tradição dos blockbusters masculinos de outrora: o afeto por Meying, afinal, é o que une os dois heróis diametralmente opostos de Megatubarão 2 em uma aliança desgostosa que aos poucos evolui para uma “broderagem” implícita que vai soar familiar a qualquer fã do gênero.

O lance mais esperto do texto, enfim, é entender seus personagens humanos como instrumentos para cumprir uma expectativa do público, muito mais do que veículos para tentar alcançar uma legitimidade dramática que simplesmente não está ali.

É uma lição que, por toda a sua audácia estética, a atual franquia Godzilla vs. Kong ainda não aprendeu, levando a tentativas repetidas - e frustradas - de obrigar os espectadores a se importarem com angústias ético-científicas e dilemas familiares que em nada se conectam com o potencial narrativo e de entretenimento da premissa que foi vendida a eles.

Em Megatubarão 2, enquanto isso, tudo faz parte da brincadeira. De um lado, Sienna Guillory nos presenteia com uma gloriosa imitação de Parker Posey para encarnar uma víbora capitalista dolorosamente óbvia e literal, inclusive quando zomba do capanga interpretado com comprometimento inimputável por Sergio Peris-Mencheta, que chora ao perder a namoradinha em um dos ataques do superpredador que batiza o longa.

De outro, coadjuvantes herdados do filme original, como DJ (Page Kennedy) e Mac (Cliff Curtis), evoluem de figurantes de luxo para improváveis favoritos, emprestando à galeria de heróis da franquia algo de ordinário (para não dizer capenga) que astros como Statham não conseguem emular.

Por trás das câmeras, a decisão de substituir o competente (mas burocrático) Jon Turteltaub por Ben Wheatley, conhecido por indies e filmes de estúdio tonalmente ousados como Kill List, Free Fire e No Topo do Poder, se mostra acertadíssima. Nas mãos de Wheatley, Megatubarão 2 vai de encontro ao humor mórbido que é combustível para o caso de amor do público com filmes de monstro, e especialmente filmes de tubarão.

Junto do fotógrafo Haris Zambarloukos (Belfast), o diretor abusa da perspectiva forçada, com várias tomadas simulando o ponto de vista da criatura marinha; com o montador Jonathan Amos (indicado ao Oscar por Em Ritmo de Fuga), ele encontra costuras visuais dinâmicas para manter o clima descontraído mesmo no auge da ação.

O resultado é que, mesmo enquanto cumpre a tarefa aborrecida de criar a situação para que os seus monstros marinhos escapem da fossa onde ficam presos, ou enquanto recorre à porradaria entre humanos para preencher suas quase duas horas, Megatubarão 2 se mostra uma diversão mais eficiente do que grande parte dos blockbusters inchados e auto importantes da safra hollywoodiana recente.

É um filme que honra uma tradição de cinema comercial com apelo trash quase esquecida diante das pretensões de aceitação acadêmica que guiam os estúdios de hoje em dia, aterrorizados pela possibilidade de uma porcentagem de aprovação baixa no Rotten Tomatoes.

Megatubarão 2 não tem medo do julgamento e do risinho irônico da crítica. De fato, ele está contando com isso - afinal, ser odiado por quem “entende de cinema” é parada obrigatória no caminho para se tornar um clássico cult.

Trailer Oficial Dublado




Fonte: Omelete