Acionistas minoritários, entre eles fundos estrangeiros, querem 1 bi por queda das ações com a Lava Jato, e tribunal que decidirá a questão é presidido por advogado ligado a eles

Porto velho, RO - Um caso de arbitragem que envolve os acionistas minoritários e a Petrobrás joga luz sobre a crise de credibilidade que envolve o mecanismo criado no Brasil em 1996 pela lei 9.307, que visou dar agilidade ao desfecho de litígios relativos a direitos patrimoniais.

Representados pela Associação dos Investidores Minoritários, a Abradin, que antes se intitulava Aidmin, os demandantes reclamam da Petrobrás indenização no valor de R$ 909,8 milhões, com base na desvalorização das ações após a deflagração da operação Lava Jato, em 2014.

A abertura da ação foi decidida na assembleia extraordinária da Abradin em junho de 2016 e teve como um dos signatários o advogado Eduardo Matoso, que foi sócio do também advogado, professor e procurador do Estado do Rio de Janeiro Anderson Schreiber.

Em 2017, em decorrência de uma ação civil pública, foi instalado um tribunal de arbitragem para decidir se os acionistas minoritários, muitos deles cotistas de fundos estrangeiros, têm razão na demanda. E quem foi escolhido para presidir o tribunal é justamente Anderson Schreiber.

O presidente, além da sociedade com Matoso, assina um processo de inventário que tem como parte interessada Rafael Rodrigues Alves da Rocha, que é presidente da Abradin.

A lista de minoritários é encabeçada pelo poderoso fundo norte-americano California Public Employees' Retirement System (CalPERS), que pediu a constituição da câmara de arbitragem à Bolsa de Valores B3 em julho de 2017.

Segundo reportagem de Germano de Oliveira, publicada pela revista IstoÉ, a sentença do tribunal de arbitragem está na iminência de ser divulgada e, com multas, a Petrobrás poderá ter que desembolsar mais de R$ 1 bilhão, e o caso, a exemplo de outros no Brasil, poderá acabar no Poder Judiciário.

Tudo porque Anderson Schreiber não declarou que tinha notórias ligações com uma das partes em litígio, o que contraria o artigo 14, parágrafo primeiro, da lei que criou a arbitragem no Brasil, a 9.307/1996. "As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência", determina o dispositivo legal.

Ao aceitar a indicação, Schreiber respondeu que se sentia "honrado" e respondeu a um questionário em que omitiu suas ligações com a Abradin. Não foi a primeira vez que Schreiber silencia quanto a situação de conflito de interesses.

Em 2018, ele aceitou integrar o tribunal de arbitragem sobre a fábrica de celulose Eldorado, que envolvia, de um lado, a empresa Paper Excellence, do grupo indonésio da família Widjaja, e, de outro, o grupo brasileiro J&F. Schreiber não revelou que, anos antes, havia dividido escritório em São Paulo com advogados que representam a Paper Excellence.

A arbitragem decidiu em favor do grupo indonésio e, por conta desse conflito de interesses, só descoberto após a sentença, o caso foi parar no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e teve, no seu desenrolar, acusação de espionagem praticada por representantes da Paper contra os executivos da J&F.

É uma das maiores disputas empresariais em curso hoje no Brasil. Ou seja, por conta da falta de cumprimento do dever de Schreiber, o mecanismo criado em 1996 para dar agilidade à resolução de conflitos patrimoniais, acabou, nesse caso, se tornando um motivo de impasse.

O caso da Petrobrás também poderá desaguar nos tribunais. Procurado, o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, não se manifestou diante da iminência de novo golpe contra a empresa, que poderá provocar prejuízo bilionário.

A assessoria de imprensa da Petrobrás, por sua vez, explicou o motivo do silêncio:

"Arbitragens em curso perante a Câmara de Arbitragem do Mercado são, por força do seu regulamento, confidenciais e, portanto, a Petrobrás não pode comentar. A Petrobrás reitera que continuará a se defender vigorosamente, em respeito a seus acionistas, em todas as arbitragens de que é parte, apresentando todos os argumentos legalmente cabíveis."

Ao aceitar participar de uma arbitragem, os juristas como Schreiber são remunerados, em valores que vão de 500 mil a 1 milhão de reais, segundo reportagem da revista Exame de 2014 (os valores estão atualizados). E podem participar de mais de uma arbitragem ao mesmo tempo.

Segundo a reportagem, a arbitragem criou um mercado milionário para um grupo restrito de advogados. Na época, se estimava que havia 16 bilhões de reais em disputa no Brasil, em casos concentrados nas mãos de um grupo de 15 advogados.

A remuneração em valores expressivos têm justamente o objetivo de contar com os melhores quadros do direito empresarial para o julgamento, e evitar que, por qualquer motivo, cedam à tentação de retribuir favores a uma ou a outra parte.

São os litigantes que remuneram igualmente os árbitros, e escolhem esse caminho por entenderem que o desfecho é mais rápido do que no Judiciário. Dois dos três árbitros são escolhidos pelas partes, mas elas podem vetar qualquer um deles antes do julgamento.

Se descobrirem que houve causa para impedimento após a sentença, podem questionar, primeiramente na câmara arbitral e, depois, se não houver solução, na Justiça, como é o caso da Eldorado e poderá ocorrer com a Petrobrás.

No processo de arbitragem que Schreiber preside, o fundamento do pedido é que o valor das ações da empresa despencaram depois que teve início a Lava Jato. Em 2010, o valor somado das ações da Petrobrás ultrapassava 600 bilhões de reais. Depois da Lava Jato, o preço foi reduzido para 100 bilhões.

Na visão dos acionistas minoritários, a causa da redução foram casos de corrupção revelados pela Lava Jato. Mas esta não é uma opinião consensual. Pelo contrário. Há um número cada vez maior de juristas que entende que a Lava Jato foi uma operação abusiva, conduzida por um juiz considerado parcial pelo STF, que prejudicou a empresa.

Seja como for, a arbitragem tem um vício de origem insanável. Schreiber jamais poderia aceitar o convite para atuar no tribunal de arbitragem, dado o conflito de interesses.

Schreiber é professor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com doutorado pela Università degli studi del Molise, Itália. Autor de livros, é vice-presidente da Comissão de Direito Civil da OAB do Rio de Janeiro, além de ter uma carreira pública como procurador do estado. Suas obras abrangem temas como responsabilidade civil, contratos, obrigações, teoria geral do direito civil e arbitragem.

O que chama a atenção é que, com um currículo tão valoroso, Schreiber não tenha se dado conta de que havia conflito de interesses para atuar tanto num caso, o da Petrobrás, quanto em outro, o da Paper-J&F.

Os dois casos em que ele é personagem central prejudicam a credibilidade de um instrumento criado por uma lei que fazia parte de um pacote de modernização do estado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O objetivo era criar condições para investimentos seguros.

A independência e imparcialidade dos árbitros é o pilar dessa inovação, mas, como se vê, há motivos para argumentar que o mecanismo falhou tanto no caso da Eldorado quanto no da Petrobrás.

Anderson Schreiber foi procurado, mas não se pronunciou. O escritório Domingos, Cintra e Lins e Silva, onde ele foi sócio com Eduardo Matoso, informou que Schreiber deixou a sociedade e abriu outro escritório, o que não afasta a situação de conflito de interesses, pelas regras da lei que criou a arbitragem no Brasil.

Se julgar a favor dos acionistas minoritários da Petrobrás, Anderson Schreiber será acusado de beneficiar pessoas com quem teve relação profissional. Seria a raposa decidindo se outras raposas podem ou não comer as galinhas.

Fonte: Brasil247