Entidade liderou 18 invasões de terra neste ano, sendo 14 no abril vermelho; em 2022, sob Bolsonaro, foram 37

Porto velho, RO - O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) encerra a Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária, conhecida como abril vermelho, com o pé no freio nas manifestações e concentrando as invasões de terras em estados do Nordeste.

As ações que marcaram a retomada das lutas pela reforma agrária no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram grande visibilidade e ganharam o debate público. Mas foram acanhadas em relação a anos anteriores, sob o governo Jair Bolsonaro (PL).

Trabalhadores sem-terra ligados ao MST fazem assembleia em novo acampamento erguido em área nos arredores de fazenda da Embrapa em Petrolina (PE) - Adriano Alves-22.abr.23/Folhapress

Ao todo, foram 159 invasões de terra lideradas pelo MST durante os quatro anos de governo Bolsonaro, sendo 37 somente em 2022. O número é inferior ao de governos anteriores, mas a entidade o considera significativo frente ao cenário de pandemia e de pressão do bolsonarismo.

Entre janeiro e abril deste ano, sob Lula, foram 18 fazendas invadidas pelos sem-terra. Destas, 14 foram no abril vermelho e envolveram 3.448 famílias.

O menor número de novas invasões acontece no momento em que os movimentos de luta pela terra enfrentam ofensiva no Poder Legislativo, com a criação da CPI do MST na Câmara dos Deputados, além de uma ação organizada de produtores rurais em repúdio a invasões de terras.

O MST também enfrenta conflitos com o governo Lula, que indicou irritação com as invasões e ainda não anunciou um plano para criação de novos assentamentos rurais nos próximos anos.

Coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues afirma que a ideia era fazer mais invasões de terras neste ano, mas a conjuntura política conturbada forçou uma revisão da tática, priorizando os atos políticos nas capitais.

Ao todo, foram mobilizados mais de 20 mil sem-terra, que participaram de protestos e invasões em 19 estados, incluindo atos nas sedes locais do Incra em 13 capitais.

"Fizemos um número menor de ocupações e priorizamos atos nas capitais já para não ter muitos embates com os fazendeiros, muito menos querer provocar a direita com uma grande jornada de ocupação", afirma Rodrigues.

Em entrevista à Folha, ele destacou a autonomia do MST e disse que o movimento "não aceita coleira ou focinheira" do governo. Ao mesmo tempo, destaca que não quis criar tensões com Lula e diz entender que a repercussão das invasões na imprensa foi desproporcional.

O MST também pressionou por mudanças nas superintendências estaduais do Incra, com a exoneração de remanescentes do governo Bolsonaro. O governo Lula mudou a chefia do órgão em 19 estados e no Distrito Federal. O MST nega ter feito indicações para cargos.

Com maior demanda por assentamentos comparado a outras regiões, o Nordeste foi o epicentro das invasões de terra neste abril vermelho.

Apenas em Pernambuco foram dez fazendas ocupadas, incluindo terras do governo, áreas de antigos canaviais e engenhos de açúcar. O MST alegou que as terras são improdutivas ou possuem irregularidades tributárias.

Dentre elas estava uma fazenda em Petrolina que pertence à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), empresa federal conhecida por ser uma referência em pesquisa agropecuária. A iniciativa gerou forte reação do governo, que optou por adiar o anúncio dos planos para a reforma agrária.

A Embrapa diz que área com cerca de 2.000 hectares é usada para experimentos e multiplicação de material genético, além de incluir áreas de preservação da caatinga. O MST contestou a existência de pesquisas no local, classificou a ação como um protesto e deixou o local dias depois, após determinação judicial.

No estado da Bahia, foram três áreas invadidas nesta semana nos municípios de Juazeiro, Jaguaquara e Guaratinga, esta última uma reocupação.

As ações resultaram em questionamentos judiciais. A Confederação Nacional da Agricultura ingressou com um pedido de liminar junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para impedir invasões de propriedades rurais em todo o país.

A entidade também defende a atuação dos governos federal e estaduais para monitorar mobilizações e propor ações de combate a invasões de terra.

Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) criticou as invasões de terras lideradas pelo MST e classificou o abril vermelho como um movimento político no qual a defesa da reforma agrária ficou em segundo plano.

"Foi um número alto de invasões, algumas impactantes como as terras da Suzano e Embrapa. Eles perdem a razão e o discurso quando invadem um instituto de pesquisa. E cada jogada errada deles, nós fortalecemos nossa posição", diz.

Os atritos com o agro começaram ainda em fevereiro, quando o MST invadiu quatro fazendas na Bahia, sendo três delas áreas de produção de eucalipto Suzano Papel e Celulose. As fazendas foram desocupadas em março, mas acenderam o alerta de empresários e da bancada ruralista.

No governo Lula, houve desconforto. Dois dias antes das invasões, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, havia participado de uma feira em um assentamento no Paraná e disse que o MST tinha nele um aliado para acabar com o preconceito em relação a um "movimento legítimo de sonho pela terra".

Mobilizados, setores do agronegócio começaram a organizar grupos de produtores rurais dispostos a usar a força, incluindo armas, para impedir novas invasões. No sul da Bahia, produtores se reuniram por meio de aplicativos e mensagens e criaram uma iniciativa chamada Invasão Zero.

Na segunda-feira (24), proprietários de terras foram até as cercanias da fazenda invadida pelo MST em Jaguaquara (337 km de Salvador) e ameaçaram expulsar as famílias acampadas. A Polícia Militar interveio e não houve conflitos.

Ações como essas alertam para um possível recrudescimento de conflitos agrários e da violência no campo, diz Andréia Silvério, integrante da coordenação nacional do CPT (Comissão Pastoral da Terra), entidade ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

"É uma movimentação muito preocupante inclusive porque há, dentro do próprio Legislativo, discursos de legitimação da violência. E a impunidade é uma marca muito forte dos conflitos no campo, praticamente não existe punição", afirma.

Dados da CPT apontam que a violência no campo cresceu no governo Bolsonaro, que registrou o maior número de conflitos por terra desde a redemocratização. Em 2022, foram 1.572 ocorrências de conflitos agrários no país, segundo maior número da série histórica —o maior foi em 2020.

Fonte: Folha de São Paulo