Análise mostra que mesmo partidos de esquerda nem sempre estiveram alinhados ao PT no plenário da Câmara

Porto Velho, RO - O histórico das votações na Câmara dos Deputados nas últimas duas décadas sugere que a fragilidade da base de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser ainda maior do que parece à primeira vista.

Análise da Folha mostra que o arco de alianças do novo governo reúne partidos com retrospecto antagônico ao do PT no Legislativo. Isso vale não só para legendas de direita, como seria esperado, mas também para algumas de esquerda.

O presidente Lula e o deputado Arthur Lira (PP), reeleito presidente da Câmara.O presidente Lula e o deputado Arthur Lira (PP), reeleito presidente da Câmara.

Um dos casos mais chamativos é o do PSD, legenda que Gilberto Kassab notabilizou ao dizer que não seria de esquerda nem de direita nem de centro.

O partido não apoiou Lula na campanha eleitoral de 2022, mas ganhou três ministérios como parte dos esforços do presidente para ampliar sua sustentação –o PSD soma 42 deputados à base do governo.

A julgar pelo passado do partido no Congresso, o aceno terá resultados incertos. De acordo com o levantamento da Folha, os parlamentares do PSD até acompanharam o PT nas primeiras votações após sua criação, em 2011, mas logo adotaram distanciamento crescente em relação aos petistas.

O padrão de oposição ao PT, especialmente a partir do governo Dilma Rousseff (2011-2016), também aparece no histórico de outras siglas da base formal de Lula, como MDB, Avante, Solidariedade e Pros.

O presidente precisa recorrer a esses aliados instáveis porque a esquerda ocupa apenas um quarto das cadeiras na Câmara. Desde a eleição, Lula faz acordos com o centro e a direita para ampliar a governabilidade.

Somados, todos os partidos da base lulista chegam a 223 parlamentares. Mesmo que não haja divergências internas (algo improvável, como mostra o histórico), o número ainda seria insuficiente para a aprovação de PECs (proposta de emenda à Constituição), que demanda 308 votos, ou mesmo de projetos de lei complementar (257 votos).

Para ganhar margem de manobra, o governo tenta fidelizar a União Brasil, legenda que rumina disputas internas e, apesar de ter recebido três ministérios, se declara independente.

Criada em 2021 a partir da fusão do PSL com o DEM, a União Brasil sempre se manteve distante do PT nas votações da Câmara. E o mesmo pode ser dito sobre os partidos que lhe deram origem.

O extinto PSL até votou junto com o PT nos primeiros mandatos de Lula, mas a composição e a ideologia da sigla mudaram de forma radical desde então –o partido cresceu na esteira do antipetismo e da eleição de Jair Bolsonaro (hoje no PL) em 2018.

O DEM, por sua vez, manteve um padrão muito claro: se o PT votava a favor de um projeto, o DEM seria contra, e vice-versa.

Não por acaso, líderes da União Brasil, do PSD e do MDB sustentam que o apoio ao governo Lula se dará de acordo com uma avaliação individual das pautas, caso a caso.

Dessa forma, Lula e seus articuladores seguem buscando aliados no centrão e até na oposição. A avaliação é a de que haveria nesses setores parlamentares dispostos a aderir isoladamente ao governo.

PP e Republicanos, por exemplo, possuem bancadas numerosas e se declaram independentes –não de oposição. Embora tenham formado a base de Bolsonaro nos últimos quatro anos, ambos registraram padrões de votação próximos aos do PT no passado.

No caso do PP, o alinhamento ocorreu nos dois primeiros governos de Lula. A estratégia petista para retomar esse apoio incluiu o endosso à reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Já a concordância do Republicanos foi registrada em meados do segundo mandato de Lula e se estendeu até a primeira gestão Dilma. Agora, o PT tenta atrair novamente os cardeais do partido para a base do governo em 2023.

Juntos, União Brasil (59), PP (49) e Republicanos (41) respondem por 149 dos 188 deputados ditos independentes, enquanto a oposição soma 102.

Naquele que foi o primeiro teste para Lula –ainda na legislatura anterior–, MDB, PSD, União Brasil e PP contribuíram com 144 votos para aprovação da PEC da Transição. Isso equivale a 76% dos deputados dessas legendas. A apreciação de medidas sensíveis no novo governo, contudo, tende a exigir negociações mais difíceis.

Por outro lado, a investida petista à direita pode gerar problemas com aliados de primeira hora em votações fundamentais, como a da reforma tributária.

Os deputados do PSOL, por exemplo, só começaram a votar em consonância com os petistas a partir da crise que resultou no impeachment de Dilma. Nascido em 2004, fruto de dissidências no PT, o partido não se furtou de fazer oposição na época por questões ideológicas.

Atualmente, o PSOL defende a cobrança de mais impostos dos ricos e critica a simplificação tributária prevista em propostas apoiadas pelo governo Lula em tramitação.

A medida de proximidade entre o PT e os demais partidos foi calculada pela Folha a partir dos resultados de 3.752 votações realizadas no plenário da Câmara ao longo das últimas duas décadas, de dezembro de 2001 a dezembro de 2022.

Os votos favoráveis recebem valor 1, e os contrários, 0. A métrica representa a distância entre o posicionamento de cada deputado e a média dos votos dos parlamentares petistas, nesta mesma escala.

Foram desconsideradas as abstenções e as votações unânimes, bem como aquelas que não tiveram a participação de nenhum parlamentar do PT.

Fonte: Folha de São Paulo