Grupo de cerca de 70 deputados e 10 senadores sinaliza adesão e pode ser decisivo em votações importantes

Porto Velho, RO - A montagem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de uma base de apoio no Congresso envolve a negociação com grupo de parlamentares de partidos que não são formalmente aliados, em especial do centrão —PL, PP e Republicanos, trinca que deu sustentação política a Jair Bolsonaro (PL).

Articuladores do governo, dirigentes e integrantes dessas legendas —além de outras menores, como o Podemos— falam de uma potencial bancada paralela pró-Lula em torno de 70 deputados e 10 senadores, o que seria decisivo para votações importantes no Congresso.

O ensaio de adesões ao governo é simbolizado pelo próprio partido de Bolsonaro, o PL, que é o maior da Câmara (99 dos 513 deputados) e o segundo no Senado (12 de 81).

Apesar de abrigar alguns dos principais expoentes do bolsonarismo, a sigla deve ter dissidências significativas pró-governo nas duas Casas.

O presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, tem afirmado em conversas com parlamentares que calcula de 20 a 30 deputados do partido com inclinação a se aliar ao governo, em especial os mais antigos na legenda, que não ingressaram na política por meio do bolsonarismo.

Valdemar tem feito uma brincadeira nessas conversas, a de que o PL é, como o próprio nome diz, um partido "liberal", o que é entendido como um sinal de que não haverá punições.

Ex-ministro dos Transportes de Dilma Rousseff, por exemplo, o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) foi eleito coordenador da bancada paulista na Câmara com apoio do PT, que viu na ocasião uma oportunidade para ampliar a divisão no partido entre o "centrão raiz" e o "bolsonarismo raiz".

Rodrigues repete um mantra dito aberta e reservadamente por quase todos os parlamentares que hoje não estão aliados formalmente ao governo, mas que ensaiam adesão.

"Como brasileiro, torço pelo sucesso [do governo]. Não tem cabimento torcer contra o meu país. Acabou a eleição, temos que torcer pelo sucesso. Eu vou acompanhar as diretrizes partidárias, mas o que for bom para o Brasil, eu não vou votar contra."

Rodrigues, inclusive, diz que irá defender na reunião dos congressistas do PL com Valdemar, após o Carnaval, uma deliberação contrária a uma das principais bandeiras do bolsonarismo radical, o ataque ao STF (Supremo Tribunal Federal).

"Eu não sou oposição radical não, e sou contra qualquer atitude contra o Judiciário. Decisão judicial se respeita. Vou propor na pauta [da reunião] uma decisão para respeitar o Judiciário."

Outro membro mais antigo do PL, Tiririca (SP) diz ser muito cedo para avaliar o governo Lula, mas afirma que é defensor "da democracia e da vontade do povo brasileiro". Toda a proposta que for de interesse da população e para o bem do Brasil terá o seu apoio, diz.

No Senado, Romário (PL-RJ) já é tratado por petistas e até por seus correligionários como voto praticamente certo a favor das pautas do governo. Há a expectativa, inclusive, de que ele deixe sua legenda em breve —o senador não quis se pronunciar sobre o assunto.

Ex-vice-líder do governo Bolsonaro, o senador Carlos Viana (MG) trocou o PL pelo Podemos, mas afirma estar dentro da ala de oposição a Lula. Isso não impedirá que ele vote e defenda pautas do atual governo, diz.

"Eu fui vice-líder [do governo Bolsonaro] porque diversas propostas da economia [do Paulo Guedes] eram iguais às minhas, uma política liberal, as privatizações. Mas determinados pontos do bolsonarismo, como a questão das vacinas, eu nunca compartilhei. Meu público sabe que eu defendo o interesse público independente de governo", afirma.

"A base bolsonarista mais radical não tem jeito, ela quer oposição por oposição, e isso eu não vou fazer. Precisamos de uma oposição inteligente que defenda o futuro do país", acrescenta.

Reservadamente, senadores afirmam que, a depender da pauta, até 25 dos 32 nomes que atualmente compõe o grupo de oposição a Lula podem votar junto com o governo, e o exemplo mais citado é o da reforma tributária.

O texto, uma das principais bandeiras econômicas do PT e que vem sendo articulado por Fernando Haddad (Fazenda) e sua equipe junto com o comando do Congresso, pode ser votado ainda no primeiro semestre.

Já a nova âncora fiscal, outra promessa lulista para a área, ou mudanças na lei das estatais trazem mais divergências.

"A reforma tributária, ainda que tenhamos uma divergência pontual, em essência é uma pauta de convergência, assim como o novo Bolsa Família", diz Alessandro Vieira (PSDB-SE), que se declara como independente.

"Há um grupo de 20 ou um pouco mais de parlamentares que são definidores, conduzem a aprovação ou não de temas, sobretudo PECs. Foi assim no governo anterior, que tinha um manejo político mais primário. Esse governo é mais hábil nesse sentido", completou.

Lula foi eleito em meio à tentativa de formação de uma ampla união política com o intuito de isolar o bolsonarismo.

Seus problemas no Congresso, entretanto, começam pelo fato de a esquerda ter eleito apenas cerca de 25% das cadeiras da Câmara e do Senado.

Com isso, Lula distribuiu em um primeiro momento nove ministérios para PSD, MDB e União Brasil, partidos de centro e de direita que elevaram a base formal de Lula —se contada a adesão da União Brasil, ainda uma incógnita— para 282 das 513 cadeiras da Câmara e 52 das 81 do Senado.

Isso não é suficiente para um voo de cruzeiro no Congresso porque, contadas as dissidências nos três partidos de centro e de direita, esses números ainda ficarão longe do necessária para aprovação de emendas à Constituição (que exigem apoio mínimo de 60% dos parlamentares: 308 na Câmara e 49 no Senado).

A União Brasil, por exemplo, até hoje vive um clima de conflagração entre lulistas e antilulistas.

Por isso, o PT e o governo buscam o centrão, que reúne cerca de um terço das cadeiras da Câmara e um pouco menos no Senado, no varejo com a expectativa de mais adiante também ter o apoio formal dessas legendas.

Como sempre ocorre nesses casos, os principais mecanismos de negociação são cargos de relevância na máquina federal e verbas do orçamento para os redutos eleitorais dos deputados, além de outros pleitos.

O PP de Arthur Lira (AL), presidente da Câmara, está dividido (a sigla tem 49 cadeiras na Câmara e 6 senadores) e aguarda sinais mais claros do Palácio do Planalto.

Lira, que foi reeleito para o comando da Câmara, será um fato crucial nessa equação. De grande sustentáculo da administração Bolsonaro, o parlamentar migrou rapidamente após a eleição para a órbita petista. Ele tem dado suporte ao governo nesse início de legislatura e recebido sinais de retribuição.

Entre eles, o apoio do PT e do governo à sua reeleição e a liberação de parte da verba de ministérios para que ele direcione a emendas de deputados novatos que ajudaram a reelegê-lo.

Um dos exemplos do poder de fogo do presidente da Câmara ocorreu na votação ainda na transição da emenda à Constituição que deu fôlego orçamentário ao novo governo. Lira comandou a aprovação da proposta e assegurou o apoio de quase 70% da bancada do PP.

O Republicanos (42 cadeiras) também reúne pouco mais de 10 deputados que tendem a votar com o governo e pressionam por uma adesão, em especial os do Nordeste.

No Podemos (17 deputados após a incorporação do PSC, além de 7 senadores), além do caso de Carlos Viana no Senado, há uma inclinação governista em parte dos deputados.

O líder da bancada na Câmara, Fábio Macedo (MA), tem ido a reuniões da base com Lula. Outro deputado, Igor Timo (Podemos-MG), foi indicado formalmente como um dos vice-líderes do governo.

Os primeiros testes reais da bancada de Lula no Congresso devem ocorrer após o Carnaval.

Entre outros, parlamentares apontam como simbólico nesse sentido (o de medir a força da base governista e a da oposição) a medida provisória que altera regras do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). O governo já aceita flexibilizar sua proposta original, mas há ainda risco de derrota.

Fonte: Folha de São Paulo