Texto de ex-presidente concede benefício a pessoas acima de 70 anos e que tenham cumprido um terço da pena, mesmo com condenação por corrupção

Porto Velho, RO -
O empresário e senador cassado Luiz Estevão solicitou indulto de sua pena com base no decreto natalino editado por Jair Bolsonaro (PL) dias antes de deixar a Presidência da República, em dezembro.

O decreto trouxe dois artigos atípicos que foram usados por Estevão. Em 2016, ele começou a cumprir 26 anos de prisão pelo desvio de verbas públicas destinadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.

A Folha analisou os decretos de indulto dos últimos anos, além de ouvir estudiosos sobre o tema.

Na redação do indulto natalino de 2022, Bolsonaro contrariou a lógica que vinha adotando nos anos anteriores, quando o teor da medida era restritivo ao benefício e buscava privilegiar quase sempre a classe militar e policial.

O texto de dezembro estabelece a concessão do indulto a presos acima de 70 anos que tenham cumprido ao menos um terço da pena, mesmo que a condenação tenha ocorrido por corrupção ativa e peculato.

Em 2016 Estevão, que hoje tem 73 anos, viu negados seus últimos recursos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e começou a cumprir a pena, em Brasília, por corrupção ativa, peculato e estelionato. Em 2019, passou para o regime semiaberto e, em 2021, para o aberto, em prisão domiciliar.

Em linhas gerais, Bolsonaro aplicou nos decretos de 2019, 2020 e 2021 uma redação relativamente condizente com seu discurso público punitivista em relação à segurança pública, reduzindo o alcance do indulto —exceção feita quase sempre a presos oriundos das forças policiais ou das Forças Armadas.

Em 2022, por exemplo, um dos pontos mais criticados do seu decreto foram artigos inéditos que concediam perdão a todos os policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo.

A pedido da Procuradoria-Geral da República, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, suspendeu, em caráter provisório, esses pontos.

O texto assinado ano passado por Bolsonaro e pelo então ministro da Justiça Anderson Torres também trouxe dois artigos que não existiam nos anteriores.

O artigo 4º diz que "será concedido indulto natalino às pessoas maiores de 70 anos de idade, condenadas à pena privativa de liberdade, que tenham cumprido pelo menos um terço da pena".

O documento estabelece, contudo, que não terão o benefício presos condenados por uma série de crimes, entre eles os de corrupção —essa trava que passou a ser usada nos indultos de Bolsonaro inicialmente por pressão do ex-juiz e então ministro da Justiça Sergio Moro, que ocupou de 2019 a 2020.

Ocorre que logo adiante no texto de 2022 há a ressalva de que para as pessoas acima de 70 anos a condenação por corrupção e peculato, entre outros crimes, não será impeditiva para a obtenção do indulto.

No caso de Estevão, que é proprietário do portal de notícias Metrópoles, ele cumpre os três requisitos para obter o perdão: tem mais de 70 anos de idade, suas condenações não representam impeditivo e ele já cumpriu um terço da pena.

Em contato telefônico na quarta-feira (18), o advogado Marcelo Bessa, que representa Estevão, afirmou que não tinha ainda feito uma análise dos efeitos do indulto sobre o caso de seu cliente e que qualquer avaliação nesse sentido seria feita pelo Ministério Público e a Justiça do Distrito Federal.

A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, porém, afirmou que a defesa do empresário e senador cassado se manifestou nos autos em 26 de dezembro, ou seja, quatro dias depois da edição da norma pelo governo, "pleiteando o deferimento do referido indulto, com fulcro no decreto presidencial nº 11.302 de 22 de dezembro de 2022".

A Folha entrou novamente em contato com o advogado, que confirmou ter assinado a petição em parceria com outra advogada, mas reafirmou apenas que eventual análise sobre se Estevão cumpre os requisitos para o indulto será feita pelo Ministério Público e a Justiça.

De acordo com a Vara de Execuções, o Ministério Público manifestou-se no último dia 10 requerendo parecer do Conselho Penitenciário, o que ainda não ocorreu.

A Folha não conseguiu falar com o ex-presidente Bolsonaro. Foram encaminhadas perguntas para o advogado de Anderson Torres, mas não houve resposta. O ex-ministro está preso em decorrência dos ataques golpistas que vandalizaram os três Poderes em Brasília no último dia 8 de janeiro.

A reportagem também questionou o Ministério da Justiça sobre as razões técnicas para a inclusão dos artigos usados por Estevão, mas também não houve resposta.

Nas gestões anteriores a Bolsonaro, o indulto natalino para presos idosos era comum, mas com condicionantes e mais restritivos a depender dos crimes cometidos, de acordo com especialistas ouvidos que pediram para não ter os nomes publicados.

O último indulto natalino de Bolsonaro também trouxe um artigo que perdoa crimes com menor poder ofensivo, de forma generalizada, ao prever que "será concedido indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a cinco anos".

De acordo com especialistas isso abraça crimes como furto simples, estelionato, receptação e porte ilegal de armas de fogo.

O indulto —perdão da pena, ou "clemência"— significa que os condenados por esses crimes não vão precisar cumprir as punições pelas quais foram sentenciados, embora a condenação continue na ficha do réu.

Previstos tanto na Constituição quanto na legislação penal, eles geralmente são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.

Fonte: Folha de São Paulo