Ministro faz uma breve fala na abertura da Lide Brazil Conference, organizada pelo grupo da família de João Doria

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), afirmou nesta segunda (14) que "a democracia foi atacada no Brasil, mas sobreviveu".

Ele falou na abertura da Lide Brazil Conference, organizada pelo grupo Lide, da família do ex-governador paulista João Doria, em Nova York. O evento serviu como uma espécie de desagravo e autodefesa institucional por parte dos cinco ministros do Supremo presentes, todos enfatizando o papel da corte na defesa da democracia.

Com efeito, o lado de fora do local do evento, no centro de Manhattan, havia apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) xingando os ministros do Supremo e o sistema eletrônico de votação do Brasil.

"Se pretende não substituir o sistema político", disse, sobre o que chamou de milícia digitais. "O que se pretende é substituir o sistema político. O que se pretende atacar é a própria democracia", afirmou.

Segundo Moraes, sem nominar Bolsonaro ou seus apoiadores, "não é possível que as redes sociais sejam terras de ninguém". "Isso começou aqui nos EUA, na extrema-direita, chegou ao Leste Europeu e depois ao Brasil", disse.

"O Poder Judiciário atuou para chegarmos às vésperas do final do ano com a democracia garantida. A democracia foi atacada, aviltada, mas sobreviveu. O Judiciário não foi cooptado, não foi aumentado, foi uma barreira a qualquer ataque à liberdade", disse.

Questionado depois se sua ação à frente do TSE contra fake news não pode ser confundida com censura, Moraes circunscreveu sua preocupação com redes sociais. "Quero trazer a lei para as redes", afirmou.

Citando a proibição de um livro de apologia ao nazismo, comparou: "Por que um livro pode ser proibido e o que é colocado na rede não? O binômio liberdade com responsabilidade. As milícias digitais podem falar o que quiser, mas devem ter coragem para serem responsabilizadas posteriormente".

Plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Em 2020, o tribunal decidiu por tornar os repasses do Fundão proporcionais à quantidade de ca Abdias Pinheiro/SECOM/TSEMAIS

As plataformas, disse Moraes, não podem "se esconder" na designação de empresas de tecnologia, e precisam ter as mesmas responsabilidades da mídia.

Acerca do relatório do Ministério da Defesa que descartou fraude nas urnas eletrônicas, Moraes minimizou a afirmação fardada de que não seria possível descartar a possibilidade de haver problemas. "Pode haver vida extraterrestre? Pode", brincou, reafirmando que o sistema é seguro e lembrando que o Tribunal de Contas da União auditou 4.100 urnas e os militares, 360.

O tema do primeiro de dois dias de conferência foi a democracia. Nesta terça (15), a temática será a economia.

"Supremo é o povo. O povo se pronunciou, e a eleição acabou, só cabe respeitar o resultado. O resto é espírito antidemocrático, quando não selvageria", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, também presente.

"Eu estive na [reunião sobre mudança climática da ONU] COP-27 no Egito, não vejo por que não possa debater com empresários brasileiros", afirmou, sobre a crítica à presença de magistrados no evento do Lide.

Ele tentou dissociar a atuação do STF da política. "Criou-se uma lenda no Brasil de que o Supremo Tribunal Federal é contra o presidente. Todos os presidentes tiveram queixas do Supremo, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff. A única diferença é que nenhum deles atacou o Supremo. Nós não temos lado, só o das instituições", afirmou.

Barroso disse que "só não existe tensão entre o Poder Judiciário e o Executivo em países em que as cortes foram cooptadas", citando Rússia, Hungria e Venezuela. Para ele, no Brasil "a democracia venceu" e que cabe aos perdedores na eleição aceitar o resultado "e concorrer de novo daqui a quatro anos".

O ministro delineou o que considera prioritário para o país. "Um país onde há gente passando fome precisa parar tudo e cuidar disso. E é preciso dar prioridade à educação básica. Quem acha que o problema da educação é a Escola sem Partido ou discutir se 1964 foi ou não golpe está assustado com a assombração errada e está nos atrasando na história", afirmou.

Manifestantes antidemocráticos fazem protesto contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em frente à sede do Exército, em Brasília Ueslei Marcelino/ReutersMAIS

"Mentir precisa voltar a ser errado de novo", disse. Mais tarde, fez uma brincadeira sobre fake news: "Aproveito para esclarecer que não sou chantageado pelo ex-ministro José Dirceu por termos participado de uma orgia em Cuba. Eu nunca fui a Cuba!", disse, em meio a risadas.

Na sua fala, o decano do STF, Gilmar Mendes, falou sobre o momento político e sinalizou apoio à prioridade dada pelo presidente eleito, Lula (PT), à agenda social —em discurso na semana passada, o petista causou rebuliço no mercado ao criticar o teto de gastos.

"Temos de ter um novo capítulo da responsabilidade fiscal, que é a responsabilidade social. Temos de ter uma meta de superação das brutais assimetrias e desigualdade que acometem o país", afirmou.

Comentou também as manifestações contra o resultado da eleição. "Há o surgimento de um populismo embalado por um discurso de ódio", disse Gilmar. "Estamos em um estado de normalidade institucional", afirmou.

"Quando tudo parecia esfarelar, a institucionalidade venceu. Mas setores da sociedade recusam aceitar o resultado das eleições. Esse quadro de fato merece atenção, pois denota uma dissonância cognitiva", disse.

"É preciso indagar se há algo mais por trás dos discursos que pedem intervenção militar e a prisão do inventor da tomada de três pinos", brincou.

"Sem reduzir relevância penal de quem adota golpismo, é preciso entender o que joga as pessoas nos braços [dessas intenções]", disse. Depois, defendeu a atuação de Moraes à frente do polêmico inquérito das fake news.

Já Dias Toffoli, outro ministro presente, repassou o caminho ideológico dos presidentes da redemocratização de 1985.

"Todos os espectros políticos governaram o país, temos anticorpos para todos eles", afirmo, dizendo que Bolsonaro é de direita e manteve o apoio da extrema-direita, enquanto Lula em seu primeiro governo se afastou da extrema-esquerda, que gerou o PSOL e o PSTU como dissidências.

"Há um mito de que Moraes acumula três papéis, de denunciar, investigar e julgar. Tudo é feito com a Polícia Federal e juízes auxiliares no gabinete do relator. Os resultados das investigações são encaminhados para os respectivos Ministérios Públicos para eventual denúncia", disse depois, ao defender depois o inquérito das fake news.

"Esse inquérito esmagou a cabeça da serpente antes que surgisse o ovo", disse. "Isso é um absurdo", completou Moraes, ao comentar a ideia de que age de forma monocrática. Também estava presentes o ministro Ricardo Lewandowski, além do ex-integrante da corte Carlos Ayres Britto e Antonio Anastasia (TCU).

TEMER CRITICA LULA

Na fala inicial do evento, o ex-presidente Michel Temer (MDB) ponderou que "polarização é útil, mas a radicalização, não". "Lamentavelmente, isso ocorre neste instante, aqui em Nova York", afirmou ele, que foi hostilizado à frente do hotel no domingo.

Ele criticou tanto Bolsonaro como Lula por não "pacificarem o país". "Lamento dizê-lo, mas tanto de quem ocupa o poder assim como o presidente eleito" estão em modo de confronto, disse. "Para meu paladar, ele [Lula] deveria compreender a angústia do presidente também, afirmou.

Falando a jornalistas após o evento, Temer disse que "ficou com pena" de Lula após o petista o chamar de golpista, na reta final da campanha do segundo turno. "Ele é um coitado", afirmou. "Penso eu que foi uma inabilidade", disse.

Fonte: Folha de São Paulo