Líderes do PT dizem que deputado André Janones, um dos mais ativos na internet, age sozinho; especialistas afirmam que estratégia anti-Bolsonaro pode impulsionar voto nulo

Porto Velho, RO - Em meio a ataques de aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente Jair Bolsonaro (PL) com vídeos antigos sobre maçonaria e canibalismo, o petista teve mais engajamento em suas páginas com acenos ao segmento religioso. O ex-presidente ganha impulso sem se envolver diretamente nas pautas polêmicas.

Líderes do PT afirmam que os cabos eleitorais mais ativos, como o deputado federal André Janones (Avante-MG), agem por iniciativa própria. O parlamentar, no entanto, participa de reuniões estratégicas e integra a coordenação de campanha do petista.

Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmaram que a estratégia, apesar de não levar à migração de votos no segundo turno, pode ter impacto na quantidade de nulos, brancos e abstenções – ou seja, é uma tentativa de tirar voto de Bolsonaro. O cenário é diferente do primeiro turno, quando o método oferecia riscos, uma vez que votos podiam ser transferidos do alvo dos ataques para outro candidato.

Janones é o perfil de apoio a Lula que mais engajou na pauta da maçonaria no Facebook, por exemplo, ao fazer uma live na frente do Templo de Salomão, em São Paulo. Ele insinuou que Bolsonaro poderia ter feito um “pacto com o diabo” envolvendo seus eleitores.

Aliados do ex-presidente, como o senador Rogério Carvalho (PT), também entraram na mobilização. “Já viram esse vídeo do Bolsonaro na maçonaria? Evangélico, católico ou maçom? Acho que a palavra é oportunismo”, escreveu Carvalho, com o vídeo no post. A peça foi assistida por mais de 64 mil pessoas apenas na conta do senador.

“E agora sabemos que, além de genocida, Bolsonaro é candidato a canibal! É o Hannibal Lecter, só que burro”, escreveu o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). A mensagem se refere a uma entrevista de Bolsonaro ao jornal americano The New York Times, de 2016, no qual o atual presidente afirma que cogitou comer carne humana em um suposto ritual indígena. A peça chegou a ser impulsionada pela campanha oficial de Lula, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu sua exibição.

Em meio às investidas de aliados e apoiadores, Lula emplacou posts com repercussão acima da média em temas religiosos, por exemplo – o eleitorado evangélico dá mais votos a Bolsonaro, de acordo com pesquisas eleitorais. Segundo o Monitor de Redes do Estadão, o petista ampliou em 68% o número de interações (curtidas, comentários e compartilhamentos, atribuindo pesos diferentes) no Facebook e no Instagram nos oito primeiros dias de campanha no segundo turno, em relação ao mesmo período pré-votação. Houve uma queda no Twitter, mas a quantidade é menos expressiva do que o ganho nas outras duas plataformas.

A taxa de engajamento da página oficial de Lula no Instagram passou de 4% para 7,3%. O número é calculado pela Torabit, empresa parceira do Monitor, com base em todas as interações divididas pela quantidade total de seguidores da conta. No Facebook, a métrica subiu de 4,8% para 5,8%; e, no Twitter, reduziu de 4% para 3,3%.

Alguns dos conteúdos mais populares de Lula no segundo turno conversam com a pauta religiosa. “Hoje é dia de São Francisco”, escreveu o petista no Twitter, com uma oração junto, em 4 de outubro – mesmo dia em que o vídeo antigo da maçonaria explodiu nas redes.

O analista de dados Pedro Barciela disse acreditar que o movimento a respeito da maçonaria surgiu de forma espontânea em contas antibolsonaristas, não essencialmente do PT, pela ausência de uma “linha política concreta” da campanha nos primeiros dias após o primeiro turno. O movimento também foi encarado como uma resposta a ataques bolsonaristas associando Lula ao satanismo.

“Houve esse vácuo e um sentimento de agonia após o resultado do primeiro turno, o que fez com que usuários antibolsonaristas buscassem algo para promover naquele momento”, afirmou Barciela. Aliados de Lula entraram na pauta e ajudaram a ampliar o alcance, segundo ele, em reação ao ganho de popularidade.

Também no dia 4, uma foto de Lula com franciscanos foi uma das mais relevantes na conta do petista no Facebook, com 4,8 mil compartilhamentos. No Instagram, um cartão defendendo que “Lula é cristão” recebeu 1,4 milhão de curtidas. Esses conteúdos concorrem com fotos e vídeos com o anúncio de novos aliados, como a senadora Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro na eleição cujo eleitorado é cobiçado por Lula e Bolsonaro.

A estratégia de bolsonaristas e petistas apela para fatores emocionais a fim de ganhar tração nas redes. “Eu diria que temos uma guerrilha informativa, com toda a certeza”, disse a pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Raquel Recuero. “Ambos os lados estão usando estratégias similares no sentido de buscar respostas emocionais e coletivas das pessoas.”

O deputado mineiro tem ocupado papel de destaque no vale-tudo. Coordenadores da campanha de Lula, como o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), e o ex-deputado Rui Falcão (PT), que dividem a tarefa de comandar a comunicação, têm pregado que não cabe a eles cercear Janones. Segundo eles, o parlamentar atua de maneira solitária, assim como outros aliados.

Na prática, a distância protocolar alegada pelos petistas não existe. Janones não apenas é uma das vozes mais ativas em reuniões de coordenação de campanha quando o assunto é redes sociais como tem se tornado uma das palavras de maior peso na tomada de decisões da cúpula petista.

O deputado foi um dos escalados para uma reunião nesta terça-feira, 11, na sede da produtora do marqueteiro Sidônio Palmeira, na Vila Madalena, em São Paulo, ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e de Edinho. Não raro, temas impulsionados pelo deputado em suas redes sociais têm sido incorporados às peças de Lula no horário eleitoral, como foi o caso do suposto canibalismo.

Petistas afirmaram ao Estadão, sob condição de reserva, que as peças de campanha podem se utilizar desse tipo de estratégia, já que se trata apenas de recuperar vídeos antigos, não de cravar notícias falsas. Nas redes, e fora das peças de campanha, Janones tem ido além. O deputado incentiva a disseminação de conteúdos em grupos de WhatsApp e chegou a cravar que Fernando Collor (PTB) pode assumir ministério no governo e confiscar “dinheiro dos mais pobres”, o que não é verdade. / COLABORARAM LEVY TELES E GUSTAVO QUEIROZ
3 perguntas para Emerson Cervi, cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

A troca de ataques por meio de fake news entre os candidatos nas redes sociais pode virar voto?

A possibilidade de virar voto é muito baixa. Mas a estratégia de busca de abstenção também é válida. Ela parece fazer sentido dentro dessa lógica da campanha negativa, do ponto de vista clássico, que sempre foi um problema no primeiro turno porque tem um risco do efeito bumerangue. Você vai jogar uma prerrogativa contra um candidato e, no final, acaba indo para você mesmo ou os votos daquele candidato vão para um terceiro e não para você.

Qual o motivo para se investir agora nesse tipo de estratégia?

Estamos no segundo turno. Ou o eleitor troca de candidato ou não vota. Não tem a possibilidade de efeito bumerangue. E a campanha negativa não pode mais ser feita por um preposto, como no caso de padre Kelmon contra Lula.

Esse tipo de conduta veio para ficar?

Por um lado, mentiras vêm sendo usadas para gerar medo e pânico. Por outro lado, acredito que a campanha do segundo turno é muito longa. Os candidatos estão pensando em diferentes estratégias, e a estratégia de ataque, de desconstrução da imagem, não pode ser usada o tempo todo. Em algum momento, os candidatos vão ter que discutir temas relativos aos seus governos. Eu imagino que teremos um esgotamento dessa estratégia nas próximas semanas.

Fonte: Estadão