Crise na cúpula da denominação tem troca de farpas entre familiares que inclui vazamento de áudios

Porto Velho, RO - Uma das igrejas pentecostais mais tradicionais do Brasil, a Deus É Amor foi arrastada para o noticiário evangélico com o afastamento de Leia Miranda, filha do fundador, David Miranda (1936-2015). A denominação publicou em setembro uma decisão que a retira de "suas funções administrativas e ministeriais até que se apurem as graves acusações envolvendo sua conduta e comportamento".

O comunicado não especifica do que se trata. Nesta semana, Leia anunciou que a igreja decidiu desligá-la por cinco anos. O veredicto foi por insubordinação, diz sua advogada, Juliana Grigorio de Souza Ribeiro. A instituição evangélica entendeu que a evangelista teria incitado uma rebelião ao fazer comentários públicos sobre o caso, expressando neles sua revolta com o "afastamento sumário", sem direito à defesa.

Ela chegou a ser retirada por policiais militares do púlpito de onde pregava mensagens conservadoras.

O racha na cúpula da igreja tem como pano de fundo um escândalo sexual.

Circula uma troca de áudios supostamente entre a missionária e um homem casado. A igreja é conhecida pela rigidez moral —sua doutrina desaconselha, por exemplo, que fiéis frequentem a praia, tida como antro de perversão, e que as mulheres usem maquiagem, salto alto e calça.

Na conversa, uma voz atribuída a Leia faz referência a uma relação sexual com um fiel da Deus É Amor. A pessoa no áudio elogia o órgão genital do rapaz e diz que adorou o encontro. Ele corresponde. O áudio vazou e foi inserido num vídeo que mostra fotos de Leia, que é divorciada, ao lado de um rapaz.

A filha de David Miranda "nega veementemente" que tenha participado desse diálogo, segundo sua advogada. "Ela já chorou muitas vezes, fala que não entende como pode estar sendo alvo disso."

A Folha não conseguiu falar com a igreja.
O caso detonou uma briga familiar, porque é a mãe de Leia, Ereni Miranda, quem preside a diretoria que resolveu removê-la temporariamente de postos internos, como o de coordenadora da Fundação Reviver. Numa live, a filha se diz "profundamente injustiçada por todo esse imbróglio, esse assunto nefasto", e pede perdão se porventura chorar, já chorando.

"Estou realmente profundamente machucada. Não por causa dos ataques que me fazem nas redes sociais, não, não. Nada disso me atinge. Dizer que sou isso ou aquilo outro mais", afirma. "O que tem me atingido mesmo, de verdade, me ferido profundamente, são as atitudes da minha mãe."

David Miranda Neto, sobrinho da missionária, voltou-se contra ela e definiu como "pecado gravíssimo" não só o adultério que sua tia teria cometido, mas o comportamento dela diante do caso. Leia reagiu e disse que ele "pinta e borda aqui dentro, gente". Os dois polarizam dentro da igreja: ele, mais flexível diante da austeridade moral que remonta aos tempos do avô, ela a favor da manutenção do conservadorismo.

A evangelista na berlinda é um dos quatro filhos do homem que inaugurou, em 1962, aquela que viria a ser uma das igrejas mais simbólicas do pentecostalismo nacional, sediada num templo colossal na Baixada do Glicério (região central de São Paulo).

Seu irmão David Miranda Filho já tinha se envolvido em polêmica própria, com o vazamento de áudios de teor sexual que teria enviado a uma jovem. Ele acabou saindo da denominação e fundando outra, a Igreja Pentecostal Santificação no Senhor.

A advogada de Leia diz que sua cliente está processando por difamação plataformas que mantêm no ar o vídeo com o áudio vinculado a ela. Quer que eles sejam removidos.

A missionária também contratou uma empresa para analisar o material que diz não corresponder à sua voz. CEO da OAS Perícias Forenses, Wesley Eduardo diz à reportagem que uma perícia preliminar mostrou que o começo do áudio foi suprimido, e que "há edições de censura, as palavras mais pornográficas, vamos colocar assim, foram retiradas". Elas foram substituídas pelo barulho de um apito.

Quanto à voz pertencer ou não à Leia, o relatório inicial voltou como inconclusivo. Eduardo explica que a base de comparação, vídeos dela pregando, não foi suficiente. Ele voltou para uma "coleta oficial", com um aparelho apropriado para captar os sons da evangelista. O resultado deve sair semana que vem.

Enquanto as rixas familiares crescem e se multiplicam na Deus É Amor, fiéis lamentam nas redes sociais. "Vocês deveriam ter vergonha na cara em escandalizar um ministério pelo qual [David Miranda pai] lutou durante anos", comentou uma seguidora do Instagram da igreja, num vídeo em que Leia canta.

Fonte: Folha de São Paulo