Em entrevista ao Panorama Esportivo, Ednaldo Rodrigues defende que clubes do topo assumam mais responsabilidades

Porto Velho, RO - Ednaldo Rodrigues foi eleito presidente da CBF, em março, após (mais uma) crise na entidade. O baiano adotou um discurso de austeridade e transparência e tem afirmado que irá ajudar os clubes na formação da liga. Segundo contou, a "criação das ligas é um passo importante para o amadurecimento de todo ecossistema" do futebol.

O presidente da CBF também disse que ainda não conversou com Tite sobre a saída do treinador do cargo de técnico da seleção e que só irá buscar um nome para substituí-lo depois da Copa. Ednaldo também avalia que o trabalho de Pia Sundhage é de "renovação".

Leia abaixo a entrevista com Ednaldo Rodrigues:

A sua gestão sempre se tornou favorável à criação da Liga. Porém, os clubes se dividiram em dois grupos por falta de consenso. Acredita que a CBF conseguirá deixar de organizar o Campeonato Brasileiro a curto prazo?

A CBF está comprometida em apoiar os clubes na criação de ligas profissionais e sempre estará envolvida com as competições de futebol no Brasil, assim como acontece na Inglaterra, Espanha, França e em todos os países em que há ligas e as associações nacionais são responsáveis por áreas como registro e arbitragem, por exemplo.

E a propósito, o futebol brasileiro como um todo, tende a se fortalecer muito com os clubes do topo da pirâmide assumindo mais responsabilidades na organização das suas competições, tanto pela otimização das receitas quanto pela possibilidade de buscar soluções para a base da pirâmide do futebol.

Hoje, praticamente 90% dos clubes registrados na CBF jogam em média 19 partidas por ano e a maioria só tem atividade durante o respectivo Campeonato Estadual, demitindo em seguida seus atletas, treinadores e comissão técnica. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), se todos os clubes que só jogam durante quatro meses por ano jogassem o ano inteiro, haveria a geração de 25 mil novos empregos e R$ 600 milhões por ano no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

A criação das ligas é um passo importante para o amadurecimento de todo ecossistema, que precisa enfrentar esses desafios coletivamente. O estatuto da FIFA, o Estatuto da Conmebol e o Estatuto da CBF preveem a existência de ligas. A lei brasileira também. Entre os 10 mercados mais desenvolvidos do futebol mundial o Brasil é o único país que ainda não tem liga. Já disse aos clubes, e reafirmo: podem contar com a CBF!


O técnico da seleção brasileira, Tite, comanda sua equipe durante amistoso contra o Japão, em Tóquio. — Foto: CHARLY TRIBALLEAU / AFP

Há alguns meses o senhor disse que ainda não havia conversado com o Tite sobre a saída dele do comando da seleção. Essa conversa já aconteceu?

Ainda não conversamos sobre isso.

A busca por um novo nome começou? O senhor acha que a seleção brasileira está pronta para ser treinada por um estrangeiro?

O foco está na Copa do Qatar. É hora do hexa. Essa conversa é para o período pós-Copa do Mundo.

Quais seus planos para trazer a seleção para mais próximo do torcedor?

Em primeiro lugar, jogando mais no Brasil e aproveitando melhor todos os investimentos feitos para construir e modernizar os estádios brasileiros. E também queremos mais proximidade com parceiros e patrocinadores da seleção em iniciativas de interação com a torcida, como treinos abertos, amplo engajamento do público através das redes sociais e a adoção de novas tecnologias, como o metaverso, por exemplo.

A seleção é um dos principais elementos da identidade nacional e o futebol é a metáfora do Brasil, que torce pela seleção e busca nela inspiração de valores como compaixão, respeito, amor, equilíbrio, alegria, amizade, compreensão mútua, solidariedade e jogo limpo, com o estímulo às boas práticas e princípios éticos universais que reforçam a vocação do futebol para ferramenta a serviço do desenvolvimento humano, econômico e social para a construção de um mundo melhor.


A sueca Pia Sundhage dá instruções para a seleção em treino antes da estreia na Copa América contra a Argentina — Foto: Thais Magalhães/CBF

Falando sobre futebol feminino, como avalia o trabalho da Pia?

É um trabalho de renovação da equipe, uma troca de geração. Isso exige um tempo para maturar, os resultados não são imediatos. Temos dado o apoio necessário a esse trabalho, que terá agora um grande desafio que é a Copa América, cujo resultado terá impacto direto na classificação da equipe para os Jogos Olímpicos de Paris. Torcemos e trabalhamos para que os resultados sejam excelentes. O futebol feminino brasileiro já teve um grande salto de qualidade em relação às competições nacionais e temos certeza que isso se refletirá na Seleção.

O senhor ficou de pleitear junto à Fifa uma indenização para a CBF por causa do Fifagate, conseguiu? Quanto será devolvido?

Já solicitamos isso formalmente, tanto à Fifa quanto à Conmebol. Ainda não tivemos uma resposta satisfatória e por isso seguimos insistindo.

Nos últimos meses aconteceram diversos episódios de racismo, homofobia e violência protagonizados por torcedores, tanto nos estádios quanto fora deles. A CBF criou uma comissão e anunciou um seminário que ainda não aconteceu. O que de fato já foi feito para combater esse tipo de prática no ambiente do futebol?

O seminário acontecerá em agosto e a CBF já tomou uma série de iniciativas como, por exemplo, a defesa de penas desportivas rigorosas para casos de violência e racismo, bem como o trabalho com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que tem o objetivo de monitorar e divulgar os casos de racismo no futebol, e promover ações informativas e educativas que visem erradicar a intolerância que tanto macula a democracia das relações sociais.

Quem mede, controla, quem controla melhora. O racismo no futebol precisa ser tratado com extrema seriedade e, com o apoio da CBF, o Observatório almeja instrumentalizar o diálogo entre clubes, entidades, torcidas e movimentos sociais, através de conferências, workshops e seminários entre outros eventos, e assim fomentar ideias e buscar sugestões para combater a discriminação.

O esporte mobiliza e transforma vidas em todo o Brasil, contribuindo para a aprendizagem e proporcionando mais qualidade de vida, bem-estar e saúde a crianças e adultos. O futebol gera emprego, multiplica renda e é um importante fator de inclusão social. Além disso, pode e deve ser um agente mobilizador em prol de diferentes causas da sociedade, entre elas o combate a todo tipo de discriminação.

Fonte: O Globo