PEC ‘Kamikaze’ coloca em xeque estabilidade de contas públicas a partir de 2023 e pré-candidatos à Presidência já defendem criação de uma nova regra fiscal para o País

Porto Velho, RO - Batizada de "PEC kamikaze", a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ampliou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e criou novos benefícios emparedou de vez o teto de gastos e tornou insustentável a permanência do regra fiscal nos moldes como ela funciona hoje.

Agora, os investidores estrangeiros e brasileiros não se perguntam mais se o teto será alterado, mas o que será colocado no seu lugar. É praticamente consenso entre os presidenciáveis a necessidade de mudança na regra ou seu fim.

Principal âncora fiscal da política fiscal brasileira, a regra limita o crescimento das despesas do governo de um ano para o outro à inflação. Criado no governo do ex-presidente Michel Temer, a norma roi responsável pela retomada dos investimentos e da credibilidade na sustentabilidade das contas públicas. Mas só no governo Jair Bolsonaro já foi alterada cinco vezes.

Duas das alterações, em menos de sete meses para abrir espaço a gastos maiores neste ano de eleições: com a PEC dos precatórios em dezembro do ano passado e agora com a "PEC Kamikaze". Essas alterações minaram a credibilidade da política fiscal.

O aumento das despesas com Auxílio Brasil é chave para entender porque o funcionamento do teto não será mais viável em 2023. Embora a elevação do piso do benefício para R$ 600 seja temporária, é dado como praticamente certo entre os técnicos a permanência desse valor no próximo governo, inviabilizando o teto em 2023 porque não há ambiente político para corte de despesas do Orçamento do ano que vem.

O gasto em ano cheio teria que subir para R$ 150 bilhões no mínimo, valor próximo de todo o espaço que o governo tem para gastar no Orçamento com as despesas não obrigatórias, incluindo investimentos. Outro fator de pressão que está na conta é a pressão por reajuste dos salários dos servidores, que estão congelados.

Liderando as pesquisas para a Presidência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se antecipou publicamente em entrevista ao Correio Braziliense ao dizer que, se eleito, vai manter o valor de R$ 600. Lideranças do Centrão, que apoiam a reeleição do presidente Bolsonaro, atestam também que ele também fará essa sinalização pública rapidamente. O temor dos aliados é que se espalhem notícias de que o Bolsonaro acabará com o valor de R$ 600 a partir de janeiro, o que poderia lhe tirar votos nas eleições.

Além de Bolsonaro, os caciques do Centrão cobram uma flexibilização no teto de gastos a ser discutida depois da eleição junto com o Orçamento de 2023, o primeiro do próximo governo.

Na sexta-feira passada, Bolsonaro se referiu ao teto como uma regra que foi criada para estancar “hemorragias” de governos anteriores. Esse é o mesmo argumento usado nos bastidores pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A interlocutores, Guedes se queixa que não pode usar o excesso de arrecadação para aumentar investimentos e outros gastos prioritários.

Segundo apurou o Estadão, a sua equipe já trabalha em propostas para alterações na regra do teto e está fazendo simulações do impacto na dívida publica de um aumento real do das despesas de 1,5%.

Na campanha do PT, Lula já disse que vai revogar o teto. Economistas do partido traçam planos para uma nova arcabouço de política fiscal, que preserve investimentos e que permita um aumento dos gastos temporário para combater a pobreza e o desemprego. Investidores e empresários cobram, no entanto, detalhes do plano de Lula para substituir a revogação do teto.

Na campanha do Ciro Gomes (PDT), a proposta é de mudar o teto retirando os investimentos. O time econômico da presidenciável Simone Tebet (MDB) defende o teto, mas não descarta, porém, uma antecipação da revisão da regra fiscal, prevista para 2026.

Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Daniel Couri, a "PEC Kamikaze" aprovada é mais um motivo para que o próximo presidente discuta a mudança no teto. Ele destaca que a permanência do Auxílio Brasil em R$ 600 não cabe dentro do pouco espaço que existe hoje para as despesas que não são obrigatórias. Seria preciso cortar no mínimo mais R$ 50 bilhões de gastos de outras áreas. “Na discussão da PEC não vi ninguém questionado isso. O teto não foi um problema, o que mostra a sua fragilidade”.

Os sucessivos descumprimentos da regra do teto de gastos vêm aumentando a percepção do risco fiscal do País aos olhos dos investidores. O mercado já está exigindo juros mais altos para comprar títulos públicos, num patamar equivalente ao observado no fim do mandato de Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em 2015.

As incertezas também têm feito o dólar subir – a moeda americana já ronda R$ 5,40. Além dos efeitos imediatos, a PEC também deixa uma bomba fiscal para o próximo governo.

O que defendem os presidenciáveisJair Bolsonaro (PL): Defende a revisão do teto de gastos junto com lideranças do Centrão. Ministério da Economia faz simulações com uma correção acima da inflação com um porcentual de 1,5% e prepara projeto para fixar uma meta par a dívida publica. O programa de governo não foi divulgado.

Lula (PT): Defende a revogação do teto de gastos e propõe um novo arcabouço fiscal, mas o partido ainda não divulgou detalhes. O ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, defende a criação de uma regra que limite as despesas a ser definida pelo governo eleito a cada início de mandato e que seja atrelada ao PIB.

Ciro Gomes (PDT): Defende a revogação do teto de gastos. A proposta é um teto para a despesa primária corrente, que seja corrigido pela inflação mais metade do porcentual de crescimento do PIB. Os investimentos ficam fora do teto de gastos.

Simone Tebet (MDB): Defende a manutenção do teto de gastos como está. Não descarta, porém, uma antecipação da revisão da regra fiscal, prevista para 2026. Também propõe a recriação do Ministério do Planejamento e Orçamento.

Fonte: Estadão