Ronaldo Bandeira diz à BBC News Brasil que era uma 'brincadeira' e uma situação fictícia para uma aula de um curso preparatório para o concurso da PRF

Porto Velho, RO - Um vídeo que circula nas redes sociais mostra um policial rodoviário federal descrevendo, em meio a risadas e piadas, o uso de spray de pimenta contra uma pessoa detida em uma viatura da corporação.

O policial rodoviário Ronaldo Bandeira durante aula em que descreve uso de spray de pimenta. Ele diz que foi uma brincadeira para deixar a aula 'mais descontraída' - Reprodução

Ronaldo Bandeira relata a situação (veja vídeo abaixo) como professor do AlfaCon, um curso preparatório do Paraná para o concurso público da PRF.

Ele diz no vídeo: "Nesse ínterim que a gente ficou lavrando procedimento, ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro da viatura com chutes. Ficou batendo o tempo todo. O que que o polícia faz? Abre um pouquinho… (deixa eu coisar porque está gravando). Pega o spray de pimenta e taca (faz gestos como se tivesse abrindo o porta-malas e acionando spray).F***-se. C*****o, é bom pra c*****o. A pessoa fica mansinha. Daqui a pouco eu escutei assim: 'Vou morrer, vou morrer'. Aí, eu fiquei com pena, cara. Eu abri assim. Tortura. E fechei de novo. Enfim, sacanagem. Eu não fiz isso não porque pode ser…".

À BBC News Brasil, Bandeira afirma que o vídeo é de 2016 e foi "descontextualizado, recortado".

"Era somente um exemplo fictício. Quero deixar isso bem claro. Em nenhum momento eu fiz isso na prática ou corroborei com isso na prática ou me omiti em relação a isso."

Bandeira, que é da PRF há 11 anos e atua em Santa Catarina, diz que a situação narrada em sala de aula "era um exemplo sobre a lei 9455", a lei que define os crimes de tortura. Ele não trabalha mais para o AlfaCon.

Ele afirma que era um exemplo "do que o aluno não deve fazer. Para talvez ficar mais elucidativo, para ficar mais claro, a gente utiliza de meios que fiquem mais claros para o aluno".

"Até porque no final do vídeo eu deixo claro: 'Gente, é uma brincadeira'. Eu nunca fiz isso e não corroboro com isso."

Sobre as risadas e as piadas ao narrar uma situação de tortura, Bandeira alega que a ideia era fazer "uma aula descontraída. A gente tenta pegar exemplos elucidativos para o aluno tentar entender. Era uma turma cheia, uma turma presencial, [foi feito] para que a aula ficasse mais descontraída".


Genivaldo de Jesus Santos morreu de insuficiência respiratória após oficiais da Polícia Rodoviária Federal o prenderem no camburão da viatur Reprodução/Reprodução

Bandeira afirma que como integrante da PRF não pode comentar o caso ocorrido no interior sergipano, mas que "foi uma infeliz coincidência com o exemplo que eu dei em aula. Não me lembro por que o motivo da risada, o motivo da ironia, o motivo do sarcasmo, mas não é algo que eu corroboro."

O policial rodoviário afirma que nunca presenciou situação de tortura em sua atuação no trabalho. "Até porque daria voz de prisão ao colega. Eu sou a favor da educação, que dignifique o mundo."

Na última quarta-feira (25), agentes da PRF colocaram Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em um porta-malas de uma viatura na cidade de Umbaúba, interior de Sergipe, e atiraram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta dentro.

Ele morreu com sinais de asfixia, segundo laudo preliminar do IML (Instituto Médico Legal).

Nos vídeos que circulam nas redes sociais, a pessoa que filmava avisa os policiais que o homem sofria de transtornos mentais —ao portal G1, sua esposa, Maria Fabiana, afirmou que ele tinha esquizofrenia.

A Polícia Rodoviária Federal não respondeu aos pedidos de posicionamento feitos pela BBC News Brasil.

Em nota enviada, o AlfaCon Concursos informa que "repudia qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, contra civis. A empresa, tanto por meio da plataforma de cursos como pela editora, acredita que a educação é o motor de transformação social e de estabilidade financeira, promovendo, nos seus 13 anos de existência, acesso de estudantes ao conhecimento técnico necessário para concursos públicos das mais variadas naturezas."

"Em que pese o fato de o referido professor não fazer mais parte do curso desde 2018, o AlfaCon não compactua com as informações, que não condizem com as políticas e os valores da companhia. Esse discurso tampouco está em alinhamento com os treinamentos pelos quais todos os educadores são submetidos ao ingressarem no corpo docente. O AlfaCon preza pela formação dos oficiais, valorizando a carreira policial de forma ética, entendendo a importância desses profissionais para a segurança pública."

Reportagem do site Ponte Jornalismo em 2019 disse que professores da AlfaCon ensinam tortura a futuros policiais e que o Ministério Público cobrou que a Polícia Civil em São Paulo e no Paraná apurasse o caso. Um ano depois, as investigações não haviam avançado, de acordo com o site.

Fonte: FOLHA