Cineasta Werner Herzog relata vida do japonês que chegou a viver em Mato Grosso
Uma semana depois, Herzog se encontrou com Onoda, cuja história inspirou o livro O Crepúsculo do Mundo, lançado agora pela Todavia. Trata-se da fantástica trajetória do tenente japonês Hiroo Onoda (1922-2014) que, em dezembro de 1944, durante a 2.ª Guerra Mundial, atendeu a uma ordem de seu superior de jamais se entregar ao inimigo ou mesmo de se suicidar.
Onoda e outros três soldados estavam em uma selva nas Filipinas e, mesmo que seus colegas fossem capitulando, ele resistiu, recusando a render-se e quixotescamente não aceitou o final da guerra durante décadas.
“Onoda manteve uma coerência de intensidade quase religiosa”, contou Herzog ao Estadão em conversa via Zoom – sua voz, às vezes, tremulava por causa do frio que fazia naquele dia na Áustria, onde estava. “Ele não confiava nos panfletos lançados de pequenos aviões, tentando informá-lo de que a guerra havia acabado e ele deveria se render.
Isso porque descobria erros que, na sua opinião, revelariam a má intenção daqueles papéis, como um pequeno equívoco na grafia em um dos caracteres japoneses ou a forma errada como era grafado o nome de seu batalhão.”
Aventura
Em 1959, Onoda foi declarado legalmente morto no Japão, mas ele persistiu em sua missão até fevereiro de 1974, quando o governo japonês encontrou o oficial que lhe dera as ordens, major Yoshimi Taniguchi, agora um honrado livreiro. Ele rumou para a ilha Lubang, nas Filipinas, onde se encontrou com Onoda e ordenou oficialmente que ele depusesse as armas. Trêmulo, o soldado finalmente aceitou o final da guerra, encerrando uma aventura de quase 30 anos.
Hiroo Onoda (ao centro) em foto em Lubang, nas Filipinas, em foto de março de 1974. Foto: Kyodo/Reuters
Onoda se encaixa bem nesse perfil – quando voltou ao Japão, ainda em 1974, foi recebido por uma multidão de 8 mil pessoas, aclamação transmitida ao vivo pela televisão. Como o país vivia sua pior crise econômica em 20 anos, a imagem de Onoda chegou a ser usada como exemplo das tradicionais virtudes japonesas, como bravura, lealdade e orgulho. Mas também serviu como argumento crítico aos que o identificavam como a personificação do militarismo.
“Na verdade, ele não era uma pessoa insana”, observa Herzog, relembrando o encontro que teve com o ex-militar. “Onoda era prático, fazia observações precisas sobre o que vivenciou naqueles anos e só sobreviveu porque era um bom soldado. Por isso, ficou decepcionado com o que se transformou seu país, em uma nação consumista.”
Gado
Assim, depois de visitar as famílias dos companheiros mortos na guerra, Onoda decidiu se mudar para Mato Grosso, onde já vivia Tadao, seu irmão mais velho. “Foi criando gado no Brasil que ele se sentiu um homem seguro. Como escrevo no livro, lá o coração de Onoda batia no ritmo do dos animais, assim como sua respiração acompanha a deles.
O meio ambiente pouco desbravado era essencial para a manutenção da sua própria vida, tanto que, ao voltar para o Japão, abriu a Escola da Natureza, estabelecimento privado em que ensinava técnicas de sobrevivência.”
Capa do livro 'O Crepúsculo do Mundo', de Werner Herzog Foto: Editora Todavia
“Não há muita explicação. Mas, de Juazeiro do Norte às montanhas austríacas, foi assim que moldei minha compreensão do mundo. Já disse isso algumas vezes, mas volto a repetir: meu conselho aos cineastas é: andem mil milhas – vale muito mais do que três anos de escola de cinema.”
Brasil não perderia mais para Alemanha, acredita o cineasta
Fã do futebol, Werner Herzog é um fino observador do esporte. Em 1986, por exemplo, antes da Copa do México, ele era uma das poucas vozes a destacar a ascensão do futebol africano – o Marrocos terminou a primeira fase daquela competição à frente da Inglaterra, em um grupo em que Portugal foi desclassificado.
O cineasta e escritor alemão Werner Herzog, autor de 'O Crepúsculo do Mundo' Foto: Renato Parada
Sobre a desastrosa derrota por 7 x 1 para a Alemanha, na Copa disputada no Brasil, em 2014, Herzog acredita que foi um fato isolado. “Era uma semifinal, portanto, um jogo muito nervoso especialmente para os brasileiros, que estavam jogando em seu país. Hoje certamente esse placar não se repetiria e acredito que o Brasil sairia vencedor”, comentou.
Sobre outras seleções que podem se destacar, Herzog aposta na Inglaterra e continua otimista em relação aos times africanos. “Gosto de seu estilo de jogo.”
Fonte: Estadão
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