Entre os mais pobres, insegurança alimentar tem nível de países africanos, segundo pesquisa Gallup

Porto Velho, RO - A insegurança alimentar no Brasil atingiu patamar recorde no final de 2021 e superou, pela primeira vez, a média global. Ela afeta mais mulheres, famílias pobres e pessoas entre 30 e 49 anos, grupos que geralmente têm mais filhos —comprometendo a atual geração de crianças brasileiras.

Segundo pesquisa global Gallup realizada desde 2006 em cerca de 160 países, a taxa de insegurança alimentar na população brasileira dobrou a partir de 2014, ano em que a economia entrou em recessão no governo Dilma Rousseff (2011-2016), e tem registrado crescimento medíocre desde então.

Segundo os dados do Gallup, analisados no Brasil pelo Centro de Políticas Sociais do FGV Social, a taxa saltou de 17% em 2014 para 36% no final de 2021. Pela primeira vez ela superou a média global (35%), aferida a partir de 125 mil questionários aplicados no mundo.

Entre os 20% mais pobres brasileiros, 75% responderam afirmativamente se havia faltado dinheiro para a compra de alimentos nos últimos 12 meses. Entre as mulheres, a taxa chegou a 47%; e a 45% para as pessoas com idades entre 30 e 49 anos —percentuais acima da média global.
"A insegurança alimentar mais elevada nesses segmentos tem efeitos de longo prazo preocupantes por causa do maior número de crianças envolvidas e da desnutrição entre elas", afirma Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

"O que impressiona também é o aumento abissal da desigualdade de insegurança alimentar. Entre os 20% mais pobres no Brasil, o nível é próximo dos países com maiores taxas, como Zimbábue [80%]. Já os 20% mais ricos experimentaram queda [para 7%], ficando pouco acima da Suécia, país com menos insegurança alimentar."

A pesquisa, do fim de 2021, não chegou captar a nova disparada dos preços dos alimentos neste ano, sobretudo após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia —grandes produtores de trigo e milho.

Ela também foi realizada num contexto em que a Caixa Econômica Federal pagou, ao longo de sete meses do ano passado, auxílio emergencial a 39,2 milhões de famílias, com valores mensais entre R$ 150 e R$ 375. Atualmente, apenas 17,5 milhões de famílias recebem o novo Auxílio Brasil, de R$ 400 mensais.

Para Renato Mafuf, coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), todos os fatores que mantinham os níveis elevados de fome entre os brasileiros até 2020 se agravaram no ano passado; e seguem em deterioração neste ano.

Pesquisa da Rede Penssan em dezembro de 2020 mostrou que, no total, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve).

"O desemprego segue elevado e a renda, em baixa, sobretudo entre os informais. Temos um benefício social [Auxílio Brasil] menor do que em 2020 [quando chegou a R$ 600 mensais] e uma guerra entre dois grandes produtores de alimentos", diz Maluf.

"Para completar, não há política de governo estruturada contra a fome, só reações voluntariosas, com medidas pontuais, como a redução de tarifas de importação. Não há nenhuma razão para acharmos que as coisas possam melhorar."

Segundo projeções da consultoria MB Associados, a inflação de alimentos neste ano deve chegar a 12%, bem acima do IPCA, contribuindo para agravar o quadro de insegurança alimentar.

"Embora haja alguma desaceleração nos preços de commodities metálicas por conta da perspectiva de desaceleração econômica em Europa, China e Estados Unidos, os preços dos alimentos seguem outra dinâmica, com pressões persistentes e descoladas dos índices de atividade", afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Fonte: Folha de São Paulo