
Cantor, que faz show nesta quinta (19) e conquista novas gerações, conta curiosidades sobre sua carreira, como o dia em que foi atingido por um parapente enquanto cantava 'Sonho de Ícaro'
A cena virou teaser do filme e viralizou. De uma hora para outra, o nome do sumido cantor voltou à boca do povo e ele foi chamado para uma campanha publicitária de uma companhia de seguros — fazendo graça de si mesmo.
— Que a minha sorte continue assim. A própria “Sonho de Ícaro” foi uma música improvável. Ela tem cinco minutos e 25 segundos, e isso numa época em que as músicas só tocavam no rádio se tivessem três minutos. Comigo é sempre ao contrário! — teoriza o cantor niteroiense de 64 anos, que volta aos palcos pela primeira vez desde o começo da pandemia, no Teatro Rival Refit, para apresentar o muito adiado show “4.0”, dos seus 40 anos de carreira.
Os caminhos de “4.0” foram tortuosos. O espetáculo deveria ter estreado em março de 2020, quando foi decretada a pandemia. Uma nova data foi marcada para janeiro deste ano, e aí veio a Ômicron. Nos tempos do isolamento, Byafra se trancou em seu apartamento em Niterói e começou a compor — saiu de lá com um EP de músicas da pandemia, mas não necessariamente sobre a pandemia.
A primeira a ser lançada foi “Ione”, feita para a mãe, vitimada pela Covid (“foi a gripezinha que mais matou até hoje, foi muito doloroso, todo mundo teve alguma perda”, lamenta). A próxima a sair nas plataformas é “Solidão a dois”, sobre o que o estresse do confinamento provocou nos casais.
Boas notícias
Mas durante o isolamento, Byafra também teve boas notícias. Seus LPs de sucesso, dos anos 1980, foram relançados no streaming depois que o cantor Ed Motta incluiu “Leão ferido” (hit de 1981) na coletânea estrangeira “Too slow to disco Brasil” (2018) — hoje, a música tem boa parte de seus ouvintes na Alemanha.
E uma de suas mais conhecidas canções, “Te amo”, voltou a tocar depois que a cantora Marília Mendonça a interpretou em uma de suas lives. Mais recentemente, o cantor foi procurado por um de seus mais novos e ilustres fãs: Sebastião, filho de Nando Reis, integrante do trio de música folk Colomy.
— Quando minha mãe me apresentou “Leão ferido”, foi uma explosão de sentimentos. É uma música magnífica, da letra aos caminhos melódicos que ele encontra com os seus agudos. Isso sempre me fascinou — derrama-se Sebastião, que espera seguir com a comunicação (e, espera ainda, parceria) virtual com o ídolo.
— Estão descobrindo o lado B da minha obra, de canções tipo “Voa, bicho”... Desisti de tentar entender o que está acontecendo, vou deixar rolar! — resigna-se Byafra, que teve seu primeiro hit em 1979, “Helena”, faixa do seu LP de estreia. — Meu primeiro disco saiu junto com a (criação da) Rádio Cidade. “Helena” tocou bastante lá e um dia o Lulu Santos, que na época era produtor da Som Livre, sugeriu que fosse incluída da trilha da novela “Marrom glacê” (depois, eles seriam parceiros em “Pra se levar a vida”).
O primeiro grande hit, “Leão ferido”, fez com um amigo de Niterói, Dalto, num momento de revolta com a gravadora.
— Queriam me enquadrar num modelito. Eu era bem novo e me mandaram uma música que dizia “eu não tô legal”. E eu estava legal, não ia gravar aquilo — conta. — O “Leão ferido” surgiu dessa revolta. “Tenho que ser bandido, tenho que ser cruel”... É uma música revoltada! Eu era um leão ferido, eu não era o padrão. Era um menino tímido cantando um repertório ousado. E o Lincoln (Olivetti, arranjador) sacou que dava para fazer um arranjo grandioso. Depois, a gravadora nunca mais quis palpitar.
Um hit maior estava por vir quando o cantor foi para a gravadora Ariola, em 1984, pelas mãos do diretor Marco Mazzola. Fechado o repertório do LP, Mazzola sentiu que ainda não tinha uma grande música, aquela que ia abrir o caminho das rádios para o cantor. Aí lembrou de uma canção de Piska (guitarrista da banda de Ney Matogrosso) e do letrista Claudio Rabello.
— Eu pedi a música, mas não sabia ainda para que artista. Achava que era para o Ney, mas ele não curtiu. Aí ela acabou ficando com o Byafra, e foi um sucesso que levantou a carreira dele — recorda-se o produtor.
Muito se discute até hoje sobre o significado de versos como “dentro do bombom há um licor a mais”. Byafra lembra de que foi feito até um programa de TV sobre a letra de “Sonho de Ícaro”.
— A explicação que o Claudio deu foi tão complicada que era melhor não ter explicado nada! — diverte-se o cantor, que nos tempos de “Sonho de Ícaro” sofria bullying homofóbico por causa da voz aguda e a pinta de estrela romântica. — Eu dizia para os caras que faziam piadas: “Tanta menina bonita nesse baile e vocês vêm tirar onda comigo!”
Por causa do bullying também foi que ele ganhou no colégio o apelido de Biafra.
— Eu era magro de ver bater o coração. Estava rolando a guerra de Biafra (com imagens de crianças esqueléticas por causa da fome) e deu nisso — explica o artista, que mais tarde teve problemas porque os mecanismos de busca na internet levavam “Biafra” para as páginas relativas à guerra. — Eu botei o Y porque as pessoas procuravam pelo cantor e caíam na África. Uma vez, inclusive, o Luiz Melodia me falou: “Pensava que você era negro!”
Fonte: O Globo
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