Cantor, que faz show nesta quinta (19) e conquista novas gerações, conta curiosidades sobre sua carreira, como o dia em que foi atingido por um parapente enquanto cantava 'Sonho de Ícaro'

Porto Velho, RO - A sorte faz graça com Maurício Pinheiro Reis, o Byafra (até alguns anos, Biafra). Cantor romântico de sucesso nos anos 1980, ele vivia uma vida discreta no começo dos 2000, quando foi convidado pelo diretor Nelson Hoineff para dar um depoimento para um documentário sobre Chacrinha (“Alô, alô, Terezinha!”). No meio de sua participação, ele cantava o seu hit de 1984, “Sonho de Ícaro” (aquele do refrão “voar, voar, subir, subir”), quando foi atingido por um parapente.

A cena virou teaser do filme e viralizou. De uma hora para outra, o nome do sumido cantor voltou à boca do povo e ele foi chamado para uma campanha publicitária de uma companhia de seguros — fazendo graça de si mesmo.

— Que a minha sorte continue assim. A própria “Sonho de Ícaro” foi uma música improvável. Ela tem cinco minutos e 25 segundos, e isso numa época em que as músicas só tocavam no rádio se tivessem três minutos. Comigo é sempre ao contrário! — teoriza o cantor niteroiense de 64 anos, que volta aos palcos pela primeira vez desde o começo da pandemia, no Teatro Rival Refit, para apresentar o muito adiado show “4.0”, dos seus 40 anos de carreira.

Os caminhos de “4.0” foram tortuosos. O espetáculo deveria ter estreado em março de 2020, quando foi decretada a pandemia. Uma nova data foi marcada para janeiro deste ano, e aí veio a Ômicron. Nos tempos do isolamento, Byafra se trancou em seu apartamento em Niterói e começou a compor — saiu de lá com um EP de músicas da pandemia, mas não necessariamente sobre a pandemia.

A primeira a ser lançada foi “Ione”, feita para a mãe, vitimada pela Covid (“foi a gripezinha que mais matou até hoje, foi muito doloroso, todo mundo teve alguma perda”, lamenta). A próxima a sair nas plataformas é “Solidão a dois”, sobre o que o estresse do confinamento provocou nos casais.

Boas notícias

Mas durante o isolamento, Byafra também teve boas notícias. Seus LPs de sucesso, dos anos 1980, foram relançados no streaming depois que o cantor Ed Motta incluiu “Leão ferido” (hit de 1981) na coletânea estrangeira “Too slow to disco Brasil” (2018) — hoje, a música tem boa parte de seus ouvintes na Alemanha.

E uma de suas mais conhecidas canções, “Te amo”, voltou a tocar depois que a cantora Marília Mendonça a interpretou em uma de suas lives. Mais recentemente, o cantor foi procurado por um de seus mais novos e ilustres fãs: Sebastião, filho de Nando Reis, integrante do trio de música folk Colomy.

— Quando minha mãe me apresentou “Leão ferido”, foi uma explosão de sentimentos. É uma música magnífica, da letra aos caminhos melódicos que ele encontra com os seus agudos. Isso sempre me fascinou — derrama-se Sebastião, que espera seguir com a comunicação (e, espera ainda, parceria) virtual com o ídolo.

— Estão descobrindo o lado B da minha obra, de canções tipo “Voa, bicho”... Desisti de tentar entender o que está acontecendo, vou deixar rolar! — resigna-se Byafra, que teve seu primeiro hit em 1979, “Helena”, faixa do seu LP de estreia. — Meu primeiro disco saiu junto com a (criação da) Rádio Cidade. “Helena” tocou bastante lá e um dia o Lulu Santos, que na época era produtor da Som Livre, sugeriu que fosse incluída da trilha da novela “Marrom glacê” (depois, eles seriam parceiros em “Pra se levar a vida”).

O primeiro grande hit, “Leão ferido”, fez com um amigo de Niterói, Dalto, num momento de revolta com a gravadora.

— Queriam me enquadrar num modelito. Eu era bem novo e me mandaram uma música que dizia “eu não tô legal”. E eu estava legal, não ia gravar aquilo — conta. — O “Leão ferido” surgiu dessa revolta. “Tenho que ser bandido, tenho que ser cruel”... É uma música revoltada! Eu era um leão ferido, eu não era o padrão. Era um menino tímido cantando um repertório ousado. E o Lincoln (Olivetti, arranjador) sacou que dava para fazer um arranjo grandioso. Depois, a gravadora nunca mais quis palpitar.

Um hit maior estava por vir quando o cantor foi para a gravadora Ariola, em 1984, pelas mãos do diretor Marco Mazzola. Fechado o repertório do LP, Mazzola sentiu que ainda não tinha uma grande música, aquela que ia abrir o caminho das rádios para o cantor. Aí lembrou de uma canção de Piska (guitarrista da banda de Ney Matogrosso) e do letrista Claudio Rabello.

— Eu pedi a música, mas não sabia ainda para que artista. Achava que era para o Ney, mas ele não curtiu. Aí ela acabou ficando com o Byafra, e foi um sucesso que levantou a carreira dele — recorda-se o produtor.

Muito se discute até hoje sobre o significado de versos como “dentro do bombom há um licor a mais”. Byafra lembra de que foi feito até um programa de TV sobre a letra de “Sonho de Ícaro”.

— A explicação que o Claudio deu foi tão complicada que era melhor não ter explicado nada! — diverte-se o cantor, que nos tempos de “Sonho de Ícaro” sofria bullying homofóbico por causa da voz aguda e a pinta de estrela romântica. — Eu dizia para os caras que faziam piadas: “Tanta menina bonita nesse baile e vocês vêm tirar onda comigo!”

Por causa do bullying também foi que ele ganhou no colégio o apelido de Biafra.

— Eu era magro de ver bater o coração. Estava rolando a guerra de Biafra (com imagens de crianças esqueléticas por causa da fome) e deu nisso — explica o artista, que mais tarde teve problemas porque os mecanismos de busca na internet levavam “Biafra” para as páginas relativas à guerra. — Eu botei o Y porque as pessoas procuravam pelo cantor e caíam na África. Uma vez, inclusive, o Luiz Melodia me falou: “Pensava que você era negro!”

Fonte: O Globo