Porto Velho, RO - Uma recente polêmica tem movimentado a Advocacia no que diz respeito à independência entre os honorários advocatícios e os créditos de seus clientes, para fins de realização de acordo de antecipação de precatório.

Dispõe o art. 102 do ADCT da CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 94/2016, que parte dos recursos repassados aos Tribunais de Justiça para pagamento de precatórios serão utilizados para realização de acordos diretos com os credores, mediante redução de seus valores (deságio):

"Art. 102. Enquanto viger o regime especial previsto nesta Emenda Constitucional, pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos recursos que, nos termos do art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, forem destinados ao pagamento dos precatórios em mora serão utilizados no pagamento segundo a ordem cronológica de apresentação, respeitadas as preferências dos créditos alimentares, e, nessas, as relativas à idade, ao estado de saúde e à deficiência, nos termos do § 2º do art. 100 da Constituição Federal, sobre todos os demais créditos de todos os anos.

Parágrafo único. A aplicação dos recursos remanescentes, por opção a ser exercida por Estados, Distrito Federal e Municípios, por ato do respectivo Poder Executivo, observada a ordem de preferência dos credores, poderá ser destinada ao pagamento mediante acordos diretos, perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios, com redução máxima de 40% (quarenta por cento) do valor do crédito atualizado, desde que em relação ao crédito não penda recurso ou defesa judicial e que sejam observados os requisitos definidos na regulamentação editada pelo ente federado."

O grande ponto é que “credores”, em um Precatório, podem ser:

o credor principal (a parte que processou o Estado e foi vitoriosa);

o advogado (que pode ser titular tanto de honorários contratuais quanto sucumbenciais);

o cessionário de crédito, que ocorre quanto o credor originário cedeu seus créditos a terceiros, e a ele se substituiu.

Vejam-se que são credores independentes, de tal forma que a adesão do credor principal do precatório ao acordo não pode ser condicionada à adesão do advogado, assim como esse último não pode ser prejudicado na integralidade de seus honorários se o credor principal fez a adesão ao acordo. Em outras palavras, os honorários só entram no acordo se o próprio advogado também tiver interesse em aderir a este.

A questão é muito simples: o advogado é titular dos honorários contratuais e honorários de sucumbência, e ambos são apartados do crédito principal. É o que está previsto expressamente no Estatuto da OAB:

“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”

Veja-se, portanto, que a titularidade dos honorários, quer contratuais, quer sucumbenciais, é do advogado. Esse é o credor dos honorários, enquanto o cliente é o credor de sua parte principal, já deduzida a honorária contratual.

Tanto que, para dirimir qualquer confusão, a lei já determina que o precatório da sucumbência seja expedido separadamente, nominal ao advogado, e o precatório do principal contenha o destaque dos honorários contratuais, para que lhes sejam pagos diretamente.

Essa titularidade autônoma é reconhecida sem qualquer dificuldade pela doutrina e pela jurisprudência:

“Os honorários contratuais, os de sucumbência e os arbitrados pertencem ao advogado, e este possui legitimidade para cobrá-los em nome próprio. Essa legitimidade é ampla: o advogado tem legitimidade para executar a sentença que os fixou e para executar tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, em nome próprio ou da sociedade de advogados a que pertence.”

(Honorários Advocatícios, Hélio Vieira e Zênia Cernov, LTr, 2018).

“PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DIREITO AUTÔNOMO DO CAUSÍDICO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO EM NOME DO ADVOGADO. ART. 23 DA LEI N. 8.906/94.

1. A regra geral, insculpida no art. 23 do Estatuto da OAB, estabelece que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.

2. Os honorários, contratuais e de sucumbência, constituem direito do autônomo do advogado, que não pode ser confundido com o direito da parte, tal como dispõe a Lei n. 8.906/94.

3. Assim, não se pode considerar que a referida verba seja acessório da condenação.

4. De fato os honorários, por força de lei, possuem natureza diversa do montante da condenação, ensejando em si força executiva própria, dando a seus titulares a prerrogativa de executá-los em nome próprio, sem contudo violar o disposto no art. 100, § 4º, da Constituição. Agravo regimental provido.”

(AgRg no REsp 1221726/MA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 02/05/2013)

Até mesmo nos casos em que não tenha sido expedido precatório em separado, mas sim um precatório único no qual estejam destacados o principal e a verba honorária, essa condição de titular não é modificada.

A título de exemplo, o seguinte Acórdão reconhece a titularidade dos créditos dos advogados, de forma autônoma, podendo este inclusive deles dispor:

“1. De acordo com o Estatuto da Advocacia em vigor (Lei nº 8.906/94), os honorários de sucumbência constituem direito autônomo do advogado e têm natureza remuneratória, podendo ser executados em nome próprio ou nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o causídico, o que não altera a titularidade do crédito referente à verba advocatícia, da qual a parte vencedora na demanda não pode livremente dispor.

2. O fato de o precatório ter sido expedido em nome da parte não repercute na disponibilidade do crédito referente aos honorários advocatícios sucumbenciais, tendo o advogado o direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.

3. Comprovada a validade do ato de cessão dos honorários advocatícios sucumbenciais, realizado por escritura pública, bem como discriminado no precatório o valor devido a título da respectiva verba advocatícia, deve-se reconhecer a legitimidade do cessionário para se habilitar no crédito consignado no precatório.

4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art.

543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

(STJ, REsp 1102473/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/05/2012, DJe 27/08/2012)

Postas essas premissas, é certo que os acordos para pagamento de Precatórios devem ser postos à adesão individual de cada credor. Assim, nas ações coletivas, cada um dos credores tem direito a manifestar sua adesão, ou não, ao acordo, pois são tecnicamente titulares individuais de seus próprios créditos. O mesmo ocorre com os honorários, o advogado tem o direito de manifestar sua adesão, ou não, ao acordo, pois é tecnicamente titular de seu próprio crédito.

No Estado de São Paulo, a Resolução PGE nº 13, de 26/04/2017, ao tratar da possibilidade de acordo, respeitou essa titularidade e já antecipou que a negociação não envolveria os honorários contratuais e sucumbenciais, salvo se o próprio advogado também fizer a adesão:

“Resolução PGE - 13, de 26-4-2017

Disciplina os procedimentos para celebração de acordos com os credores de precatórios, nos termos e para os fins da Emenda Constitucional 94/2016, e do Decreto estadual 62.350, de 26-12- 2016, que a regulamentou.

Artigo 1º. A Procuradoria Geral do Estado publicará edital de convocação dos credores de precatórios judiciais do Estado de São Paulo, expedidos para pagamento pela Fazenda do Estado, suas autarquias e fundações, para que nos termos e para os fins do parágrafo único do artigo 102 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido pela Emenda Constitucional 94/2016, e dentro do período em que estiver em vigor o regime especial de pagamentos por ela instituído, observados os termos e condições do Decreto 62.350, de 26-12-2016, possam pleitear a antecipação do pagamento de seus créditos, mediante proposta de acordo de deságio.

Artigo 2º. Poderá propor acordo o titular de precatório de valor certo, líquido e exigível, em relação ao qual não exista impugnação, pendência de recurso ou defesa, e que decorra de processo judicial tramitado regularmente, no qual em relação ao crédito ofertado igualmente não exista impugnação, nem pendência de recurso ou defesa, em quaisquer de suas fases.

Parágrafo único. Para os fins previstos no caput, considerar-se-á credor do precatório:

1. O conjunto dos credores, quando o precatório tiver sido expedido por valor global, sem a determinação do quinhão de cada um, caso em que só em conjunto poderão propor acordo;

2. O credor individual, quando o precatório tiver sido expedido em favor de mais de um credor, com a determinação do quinhão de cada um, caso em que cada credor será considerado detentor de seu quinhão;

3. Os sucessores a qualquer título, com observância dos termos e condições dos itens 1 e 2, desde que comprovada a substituição de parte na execução de origem do precatório, e que em relação à substituição não exista impugnação, nem pendência de recurso ou defesa;

4. O advogado, quanto aos honorários sucumbenciais que lhe tenham sido atribuídos e eventuais honorários contratuais destacados do crédito da parte por ele representada.

(...)

Artigo 5º. O acordo importará na concessão de 40% de desconto sobre o montante pertencente ao credor, dele excluídos eventuais honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais, para que, observada a precedência de seu crédito em relação aos créditos dos demais proponentes de iguais acordos, seja antecipado o seu pagamento em relação à ordem normal.”

No Mato Grosso do Sul, também a previsão é a de que o advogado também poderá aderir ao acordo, e para isso deverá fazer sua adesão expressa:

“EDITAL/CASC/PGE/MS/N.º 002/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021.

1.2 - Poderão celebrar o acordo direto:

I- o titular original do precatório, por si ou por seu advogado devidamente constituído nos autos e com poderes para tanto;

II – o advogado, pessoa física ou sociedade unipessoal ou em grupo de advogados, beneficiários de honorários sucumbenciais;

III – o advogado, pessoa física ou sociedade unipessoal ou em grupo de advogados, beneficiário de honorários advocatícios contratuais já devidamente destacados do principal, e homologados pelo respectivo Tribunal requisitante;

(...)

4.4 - os honorários advocatícios sucumbenciais e/ou contratuais deverão ser expressamente requeridos pelo Advogado, em petição própria, obedecendo-se o disposto nesse edital;”

No Estado de Rondônia não foi diferente, o Edital nº 1/2021 que rege os acordos de Precatórios, garante ao advogado a sua condição de titular de crédito, apto à adesão o acordo:

“EDITAL N. 1/2021 – Estado de Rondônia

Conforme Emenda Constitucional n. 94/2016 e art. 102, §1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, torna aberto o processo para habilitação, classificação e pagamento de credores interessados em participar de acordos diretos em precatórios devidos pelo Estado de Rondônia.

1. DO OBJETO: O presente certame refere-se à habilitação, classificação e pagamento de credores interessados em participar de acordos diretos em precatórios devidos pelo Estado de Rondônia.

2. DOS CREDORES: Para fins de participação nos acordos mencionados neste edital nº 1/2021, são considerados credores beneficiários de precatórios, aptos à participação no certame:

a) o credor originário, pessoa física ou jurídica, devidamente apontado no ofício requisitório do precatório, e que não tenha cedido a totalidade de seu crédito;

b) o advogado, quanto aos seus honorários sucumbenciais, constantes do ofício requisitório;

c) o(s) herdeiro(s) de credores originários falecidos, quanto ao seu quinhão, desde que já habilitado nos autos do precatório, na data da publicação deste edital;

d) o cessionário do precatório cujo pedido de cessão já esteja devidamente deferido e registrado nos autos do precatório, na data da publicação deste edital.

(...)

3.2.7 Os honorários contratuais somente serão pagos na hipótese de já estarem devidamente destacados nos autos do precatório na data da publicação deste edital, devendo o advogado optar pelo acordo conjuntamente com o credor principal.”

De tudo o que foi exposto, é certo que, assim como os credores originários, os advogados também têm a possibilidade de, nos mesmos termos, aderirem ao acordo para receberem seus honorários.

Mas fica aqui um alerta: isso é uma prerrogativa do profissional, que analisará os interesses de aderir – ou não – ao acordo, já que, na maioria dos casos, importa em um deságio de 40%, como é o caso do Edital Rondoniense e os demais acima exemplificados. O advogado pode não ter interesse em aderir a tal margem de perda patrimonial e preferir optar por aguardar a ordem cronológica dos pagamentos dos precatórios. A análise dos benefícios da antecipação, que reduzem o tempo de espera para o pagamento, e os prejuízos no valor reduzido, pertence ao advogado, assim como cada um dos credores originários também vão fazer individualmente essa análise e ponderar seu interesse – ou não – na adesão ao acordo.

O que tem causado preocupação é um interpretação – equivocada – de que a adesão do credor originário estaria “condicionada” à adesão de seu advogado. Isso não é verdade. São credores distintos, titulares individuais de seus respectivos créditos, cada um com direito de dispor de seus valores.

Veja-se, por exemplo, que a cessão de crédito por parte do titular originário não está submetida à concordância do advogado, desde que não lhe alcance os honorários. Isso porque referido credor tem o direito de livre dispor de seus valores. O mesmo acontece com o advogado, que pode ceder seus honorários sem o aval do credor originário, conforme decisão do STJ no REsp 1102473, supra transcrito.

A independência entre o crédito principal e os honorários é tamanha que o TJ/RO, a título de exemplo, não paga os honorários contratuais quando o credor principal é beneficiário de antecipação humanitária:

“Constitucional, Administrativo e Processual Civil. Precatório. Honorários contratuais. Pretensão de antecipação nos mesmos termos da antecipação do crédito principal na forma humanitária. Impossibilidade. Normas sobre regime de precatório. Natureza administrativo-processual. Aplicabilidade imediata.

É incabível a antecipação de honorários contratuais em sede de Precatório Humanitário. Precedentes STJ e STF. As normas que regem o procedimento dos precatórios, como as Resoluções dos Tribunais e do CNJ, possuem natureza administrativo-processual, de tal modo que possuam aplicabilidade imediata.”

(MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL 0804694-58.2021.822.0000, Rel. Des. Glodner Luiz Pauletto, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia: Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2022.)

Ora, se os honorários são autônomos para fins de antecipação humanitária, mantêm essa mesma autonomia para fins de antecipação por acordo de deságio.

Assim, se o advogado opta por aderir ao acordo, receberá seu crédito nos mesmos moldes do credor principal. Mas, se o advogado opta por não aderir ao acordo, a única consequência é que não lhes serão antecipados, e ficará aguardando a ordem cronológica normal para pagamento de precatórios – conclusão que se aplica tanto aos sucumbenciais quanto aos contratuais, pois ambos são de titularidade do advogado. O item 3.2.7. do Edital nº 1/2021 dispõe que os “honorários contratuais somente serão pagos na hipótese de já estarem devidamente destacados nos autos do precatório na data da publicação deste edital, devendo o advogado optar pelo acordo conjuntamente com o credor principal”, de tal forma que, resta claro, se não optar – simplesmente não serão pagos.

Essa previsão contida no Edital está muito longe de eventual conclusão de que a falta de adesão do advogado ao acordo poderia “prejudicar” a adesão manifestada por seu cliente em relação ao seu próprio crédito. Nenhuma previsão há nesse sentido, nenhuma interpretação permite essa conclusão e – se houvesse – estaria afrontando abertamente os arts. 22 § 4º e 23 do Estatuto da OAB, o que não se admite por meio de um Edital.

Por todo o exposto, as conclusões são assim resumidas, para fins de adesão a acordos de antecipação de pagamento de precatório: a) os créditos pertencentes ao credor principal e os honorários (contratuais e sucumbenciais) são autônomos; b) ambos (credor principal e advogado) têm direito a aderir à proposta de acordo; c) ambos têm a livre disposição de analisar as vantagens e desvantagens do acordo e decidir ou não pela adesão; d) a adesão do credor principal não está condicionada à adesão do advogado; e) se o advogado não aderir ao acordo, essa circunstância não prejudica a adesão do credor originário, por serem créditos de titularidade distinta; f) a única consequência da falta de adesão do advogado ao acordo é o não-recebimento de seu crédito na forma antecipada, devendo aguardar a ordem cronológica dos pagamentos de precatórios.

Hélio Vieira da Costa e Zênia Cernov, advogados

Fonte: SINTERO