Sanções do esporte não podem ser confundidas com ódio generalizado contra russos
Porto Velho, RO - Menos de quatro anos atrás, durante a abertura da Copa do Mundo, no estádio Luzhniki, em Moscou, Vladimir Putin anunciou que mudaria a imagem da Rússia perante o mundo. O país e seus cidadãos seriam reconhecidos como “abertos, hospitaleiros e amigáveis”. Hoje, com a guerra na Ucrânia, percebe-se que qualquer esforço nesse sentido foi em vão. A propaganda foi suplantada pela tirania de Putin. E o russo virou pária internacional, inclusive no esporte.
As medidas mais drásticas foram anunciadas por Fifa e Uefa. A primeira suspendeu a seleção russa da disputa de competições internacionais, o que, na prática, significa a exclusão dela da Copa de 2022. A segunda tirou a final da Liga dos Campeões de São Petersburgo. Ambas as decisões causam consequências esportivas e econômicas para centenas de pessoas.
Não subestimemos a radicalidade e a agilidade desses anúncios. A preocupação da Fifa em se isentar de questões complexas é tamanha que um dos pilares de sua governança é o da neutralidade política e religiosa. Essas palavras estão escritas no estatuto da federação, sua carta magna, à qual ela recorre de tempos em tempos para justificar a decisão de nada fazer.
O Schalke 04 rescindiu contrato com a Gazprom, companhia que o patrocinava há mais de 15 anos, e o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder passou a ser repelido por clubes de futebol e pela federação nacional de seu país, por causa da amizade com Putin e pela posição na petroleira Rosneft. Apenas alguns exemplos de como a Alemanha tem se afastado da Rússia.
Atletas russos foram banidos em dezenas de modalidades, como atletismo, basquete e vôlei. Outros poderão competir, desde que sem a bandeira russa — como no caso do judô, que mexe diretamente com Putin, faixa preta e adepto da arte marcial. Até mesmo na Paralimpíada de Inverno, que acaba de começar em Pequim, na China, russos estão proibidos de participar.
Acima de qualquer julgamento moral de dirigentes do esporte, a pressão que a opinião pública exerce é o diferencial desta história. Ainda que em escala obviamente menor, a Rússia já havia invadido a Geórgia e a Ucrânia, na Crimeia, e sua relação com o Ocidente se deteriorava há anos, entre assassinatos de espiões, expulsões de diplomatas e divergências em conflitos armados, como na Síria. O horror do público com a guerra atual que mudou o cenário.
Imagens se espalham em minutos, no contexto globalizado e conectado, proporcionado pela tecnologia e pelas redes sociais. Filas de refugiados ucranianos, bombardeios de cidades inteiras, atrocidades cometidas por tropas russas. Além disso, na era do cancelamento, as pessoas aprenderam a identificar rapidamente protagonistas e cúmplices. Qualquer um que aparente estar ao lado de Putin, entre apoiadores e financiadores, passa a ser pressionado.
Enquanto ocorrerem em figuras com relevância econômica e/ou política para o governo russo, de modo a pressionar seu presidente a recuar, retaliações serão válidas. Se houver ódio generalizado aos russos, corremos o risco de nova onda de macarthismo aplicado à indústria esportiva, de injustiças e xenofobia em nome do bem maior. O esporte em suas várias faces — entidades, clubes, empresas e torcedores — precisa tomar muito cuidado com o que diz e faz.
Fonte: O Globo
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